Ética no que somos
Entrevista a Jude Pullen, químico, engenheiro e designer, com uma capacidade inata de reflectir sobre as actividades multidisciplinares a que se dedica com paixão. Uma troca de impressões sobre o processo de arranjo de uns auscultadores levou-nos ao pensamento estruturado de alguém com um olhar profundo e pormenorizado para a forma como agimos. Diz que devemos mudar para melhor e de lutar para reparar. Deixa-nos o seu exemplo de vida e prática, muito para lá do design, da tecnologia ou da tendência do momento.
Jude Pullen na reciclagem da Sweeep.

Entrevista de Tiago Krusse

Fotografias e imagens: Cortesia de Jude Pullen, Design Council e ProtoLabs


Foi Dieter Rams que afirmou que um bom design se preocupa com o ambiente. Porque é que somos uma sociedade produtora de resíduos?

Creio que Dieter Rams publicou isso no final dos anos 70, como parte dos 10 princípios do bom design. Ele foi, certamente, uma grande influência para a minha geração e penso que interiorizei a sua abordagem como uma filosofia de “apenas o necessário”. É claro que isto é um pouco estranho em relação ao consumismo e julgo que vale a pena salientar que, enquanto esteve na Braun, Rams ainda estava a tentar vender um grande volume de produtos para fazer da marca um sucesso comercial. Mas é louvável que estes artigos não fossem a tendência do momento, julgo que a estética de design minimalista é pelo menos uma forma de tentar evitar que as coisas pareçam datadas e, por isso, descartadas por estarem fora de moda.

Na verdade, Rams tem muito crédito por isso, mas como é frequentemente o caso, o distintivo de  génio solitário é enganador e demasiado simplista. É algo que ele rejeitou muitas vezes e teve o cuidado de dar também crédito a membros da equipa como Hans Gugelot, que criou o primeiro leitor de vinil icónico para Rams. A equipa da Braun fazia parte de um zeitgeist em que muitos pensavam em como criar designs duradouros e essenciais.
Outra das minhas influências de design é Victor Papanek, que publicou “Design For The Real World” em 1971. Li-o enquanto estudava na Noruega, em 2008, e uma passagem nunca mais me abandonou:

Há profissões mais nocivas do que o design industrial, mas são muito poucas. Somos responsáveis por aquilo que colocamos no mundo.

Sempre achei que esta é uma máxima muito pesada para se viver literalmente, sobretudo no início da carreira, onde muitas vezes não se tem o recurso, a experiência ou a agência, para controlar a totalidade do percurso de um produto. Dito isto, penso que a melhor sinergia ocorre quando a velha guarda ouve o sangue novo, pois não se trata apenas de humildade mas da verdade brutal de que eles são o futuro, não tu, como proclamou a obra-prima de Bob Dylan:

Your old road is rapidly agin’

Please get out of the new one

If you can’t lend your hand

For the times they are a-changin’”

Tendo gerido equipas diversificadas, em termos de idade, cultura, raça, género, crenças, sinto que o melhor trabalho resulta desta mesma humildade, estendida ao longo de muitos eixos de diferença. Os designers que operam actualmente precisam de incorporar o melhor das máximas, líricas e filosofias, acima referidas, para se manterem contemporâneos. A sustentabilidade já não é uma questão de virtude mas é primordial para o futuro de qualquer empresa, uma vez que há um custo crescente para o planeta, como também para o resultado final, se as decisões de design forem descuidadas.

Finalmente, voltando à sua pergunta sobre por que razão somos uma sociedade esbanjadora. Penso que isto não é novidade, impérios inteiros caíram devido, em parte, ao desperdício. Não creio que a cultura consumista ocidental seja imune a esse colapso, tal como, evidentemente, os romanos não previram o seu desaparecimento devido à decadência, apesar de terem tido amplas histórias de advertência sobre os impérios egípcios que os precederam. Penso que há algo de inato em nós enquanto criaturas, tal como descrito no livro “Daisy World”, de James Lovelock, em que ilustra que quando uma espécie co-dependente domina um ambiente provoca simultaneamente o colapso da sua própria espécie. A diferença com os seres humanos modernos é que pensamos ter escapado a esta lei porque, de alguma forma, acreditamos que podemos ultrapassar os nossos resíduos e danos nos ecossistemas. Ao continuarmos, estamos apenas a prolongar o inevitável, da mesma forma que não se deve esticar um elástico e esperar que ele nunca se parta.

Esta triste característica humana é ilustrada nos anos de 1800 com “O Grande Fedor” de Londres -poluição desmesurada do rio Tamisa- em que as medidas só foram tomadas quando os que estavam no poder, no Parlamento, já não conseguiam suportar o cheiro fétido. Até então, os pobres tinham sido deixados simplesmente a aguentar a miséria e o perigo. Infelizmente, penso que este padrão persistirá mas espero que, com os meios de comunicação modernos, a nossa compaixão seja despertada mais cedo do que tarde.


Quem é o principal responsável pela perda de equilíbrio?

Será que é realmente mais complexo do que nós?

Penso que nem sempre gostamos do que vemos no proverbial espelho, é por isso que Black Mirror, de Charlie Brooker, é um título maravilhoso para uma série de contos tecnológicos distópicos preventivos. E, no entanto, penso que a comédia da Ealing de 1951, The Man in the White Suit, é talvez o primeiro espelho negro desse género, se quisermos. O filme ilustra o complexo paradoxo social do consumismo: um cientista desenvolve um tecido que nunca envelhece e, consequentemente, um fato que dura para sempre. Nada o estraga. A empresa de fatos regista lucros exponenciais no primeiro ano. As classes trabalhadoras estão eufóricas com os salários extra pelas horas extraordinárias. No segundo ano, a empresa está à beira da falência pois é claro que ninguém precisa de outro fato! Os trabalhadores, outrora faustosos, são também despedidos, tal como a miríade de outros ofícios. Todos extintos. O cientista, herói, é agora um vilão acidental, desprezado por todos. E um dia, sem que se saiba por que razão, o material do fato falha subitamente. Num frenesim, o cientista arranca o fato do seu corpo e fica reduzido a uma quase nudez, no meio do êxtase da multidão, que vê o regresso à abençoada normalidade. O filme aponta, certamente, o dedo aos senhores da indústria e, acabado o derramamento de sangue da Segunda Guerra Mundial, não poupa a miopia  dos cientistas entusiastas. Também não retrata as classes média e baixa como não tendo culpa alguma. Elas têm menos educação, menos riqueza e menos poder, é claro, mas a sua dependência do consumismo é apresentada como um acréscimo, o que pode implicar uma sensação orwelliana de ópio do povo, sendo um precursor do sentimento de acompanhar os Jones, da década de 1980, ou do mantra Greed is Good, de Gordon Gekko, em Wall Street.

Voltando à sustentabilidade, as provas sugerem, de forma esmagadora, que a maioria dos danos é causada pelos estilos de vida, do elevado consumo dos ricos, eles que têm a capacidade de pagar por novas tecnologias sustentáveis e de serem os primeiros a adoptar novas tendências. No entanto, o que pode surpreender alguns é a definição de rico. Os 10% mais ricos são responsáveis por cerca de metade das emissões globais e, no entanto, esta referência é para qualquer pessoa que receba mais de 32 milhões de libras, 40 milhões de dólares por ano. Assim, embora os 1% mais ricos possam, de facto, ter estilos de vida luxuosos, a classe média não pode apontar o dedo sem assumir também uma quota parte de responsabilidade.


Onde é que os consumidores são mais facilmente manipulados pela marca?

Retornando à citação de Victor Papanek, que eu interpreto como “se crias desejo pelas coisas erradas, és parte do problema”, isto é algo a que os designers devem considerar quando escolhem uma carreira.
Quando comecei a trabalhar na Dyson, em 2009, ganhava cerca de 20 mil libras. Eu tinha uma licenciatura em química e um mestrado em engenharia. Para contextualizar, o salário mínimo era de £12.500. Estava a sustentar parcialmente os meus pais e os tempos eram bastante difíceis em termos financeiros, embora reconhecesse que estava a trabalhar para uma empresa progressista e que tinha um bom futuro. Um ano mais tarde fui recrutado por uma grande empresa de tabaco, para trabalhar naquilo a que hoje chamamos vapes e que me ofereceu quase o dobro do salário. Fiz muitas perguntas ao recrutador sobre se se tratava realmente de tentar que as pessoas deixassem os cigarros ou seja, pararem de fumar. Rapidamente cheguei à minha própria conclusão, de que parecia ser apenas uma reconfiguração da forma de administrar a substância química viciante, a nicotina. E como a legislação não estava ainda escrita, em princípio poderia ser aliciante para um público mais jovem. Recusei. Tendo conhecido pessoas que morreram por causa do tabaco e sendo eu um químico, não achei que o novo cocktail de químicos fosse, em princípio, convincentemente mais seguro do que os antigos produtos do tabaco.

Depois de ter visto recentemente o documentário Big Vape na Netflix, sobre a empresa Juul, estou ainda mais convencido que tomei a decisão correcta. Se as circunstâncias fossem mais difíceis talvez tivesse aceitado a opção por ser lucrativa a curto prazo, mas não quis vender a minha ética futura por uma vitória antecipada. Sei que muito do meu zelo pelo design vem do entusiasmo de estar a causar algum tipo de impacto positivo, mesmo que modesto. Isto não quer dizer que não cometa erros, há muitos, mas não colaboro conscientemente num produto ou estratégia que cause mais danos do que aqueles que já existem.

Quanto ao branding, vi The Century of the Self, de Adam Curtis, que explica como os Mad Men, marketeers actuais, aprenderam grande parte do seu ofício através do sobrinho de Lucian Freud, Edward Bernays. Um exemplo particular foi a forma como o seu bando de marketeers psicanalíticos seduziu as mulheres de então com a noção de que fumar cigarros era uma forma de empoderamento, pagando a membros das Sufragistas para fumarem em manifestações e chamarem-lhes Tochas da Liberdade. Não se trata de menosprezar as mulheres deste nobre movimento mas sim de realçar as tácticas cínicas da nova teoria psicanalítica, utilizada para piratear os desejos latentes das pessoas com o intuito de obter ganhos comerciais. Olhando para  o passado, temos de ser compreensivos com o facto das mulheres não terem tido ao seu dispôr os meios para investigar suficientemente o tabagismo, para o rejeitarem por motivos de saúde, especialmente quando estavam em causa questões mais imediatas. Nos dias de hoje, penso que poucas pessoas, mesmo as que fumam, acreditam realmente que não é uma actividade prejudicial. Então por que razão é que persistimos num comportamento tão imprudente? Mais uma vez penso que é a nossa natureza o problema e não o tabaco. Trata-se do facto de termos ansiedades não resolvidas, que se manifestam se não forem atenuadas pelo tabaco, a comida, o sexo, os jogos de poder, as compras ou qualquer outro escape para as nossas emoções. Comportamentos que se tornam em vícios. Tal como Eva, parece que seremos sempre tentados pela serpente no Éden. É claro que é revelador o facto de Eva ter sido tentada, quando seria mais correcto que Adão fosse o verdadeiro culpado. Mas isso é outro debate para uma outra altura!

Em resumo, aplico aquilo que intitulo de “O Teste do Avô”. Pergunto-me se fosse avô e os meus netos um dia me diriam como é que eu pude trabalhar em tal empresa conhecendo os factos? Não quero com isto dizer que tenho de ser clarividente mas que devo evitar projectos que sei que são obviamente prejudiciais ou cínicos devido ao seu desvio. Estou ciente de que isto é dito a partir de uma posição de privilégio mas também já fiz este apelo com muito menos conforto e mais em jogo. Sinto que ou se estabelece uma trajectória que é uma espiral descendente ou um círculo virtuoso, maioritariamente, ascendente. Para tal, penso que a ética deveria ser ensinada de forma geral nas escolas, como parte da educação dos 14 aos 16 anos e obrigatória em qualquer educação para maiores de 16 anos. Tal como os médicos aprendem ética, não vejo razão para que os designers, engenheiros e cientistas não tenham formação obrigatória para tomarem decisões mais informadas. É claro que não existem decisões 100% correctas mas é possível aprender a não ser 100% ignorante, intencionalmente ou não, na equiparação.

A cultura de uma empresa reside, em última análise, na sua liderança e naquilo que encorajam como o correcto. Isto é indiscutivelmente mais simples com uma startup, sem bagagem histórica, para ser progressista porque, em virtude da sua novidade, está frequentemente em linha com o pensamento contemporâneo. No entanto, cada vez mais considero um desafio igualmente excitante pegar numa empresa estabelecida e ajudá-la a modernizar-se e a tornar-se mais progressista no seu pensamento. Entrevistei Matt Sexton, da Futerra, e eles chamam a isto born good e born again, respectivamente. Se uma grande empresa conseguir estimular as suas equipas a trabalharem nas coisas certas, com os seus maiores recursos, ela pode realmente fazer mais e melhor do que uma congénere em fase de arranque.

Melhoramento de uns auscultadores e testes a colocação de uma bateria recarregável nova.

Quando é que a Economia Circular terá um impacto real no nosso estado de desenvolvimento e no nosso comportamento de consumo? 

Não sou economista, mas há duas facetas do modelo da Economia Circular que me interessam. A primeira é que o negócio da reciclagem precisa de ser actualizado, significa que precisamos de incentivar financeiramente a recuperação de materiais dos produtos. Por exemplo, se formos um fabricante de automóveis a responsabilidade para com o ambiente não deve terminar quando o carro sai do parque de estacionamento. Em vez disso, se a nova legislação for aprovada nos próximos anos, o fabricante de automóveis será incentivado a recuperar a materialidade do automóvel antigo e a proceder à sua manutenção, reparação, de modo a prolongar a sua vida útil ou, se não for possível repará-lo, eficaz em termos de custos, a desmontá-lo de modo a que a maior parte dos materiais e minerais possa ser recuperada. O incumprimento de qualquer uma destas situações implica a aplicação de coimas cada vez mais elevadas. Espera-se que estas multas sejam suficientemente punitivas para funcionarem, ao contrário, por exemplo, de certas empresas petrolíferas que anulam as multas como um custo do negócio, o que é trágico se uma empresa com lucros de milhares de milhões de dólares for multada em alguns míseros milhões de dólares. Por isso, a legislação tem de ter dentes afiados para afectar a mudança. Dito isto, a legislação é muitas vezes redigida de mãos dadas com os velhos sistemas de energia, pelo que a única forma de fazer a transição, digamos, de uma grande empresa petrolífera para as energias renováveis é garantir que podem lucrar com isso, uma vez que têm um lugar no passado e um pé, idealmente um pé inteiro, num futuro mais verde. Um contraponto a isto é, evidentemente, ter um fundador visionário, de um disruptor do mercado estabelecido, sendo a Tesla o exemplo óbvio, em que Musk adoptou, além disso, uma abordagem radical de partilha das patentes de carregamento para acelerar a adopção, embora eu esteja relutante em colocá-lo num pedestal, uma vez que ele é, pelo menos, tão perturbadoramente controverso como progressista.

A segunda, podem ver aqui um padrão nas minhas observações, é o povo. Precisamos de refrear o nosso consumismo! Esta é uma questão complexa de resolver, quando muito do marketing nos diz que devemos querer algo para sermos mais atraentes, mais bem sucedidos, mais poderosos, mais criativos, mais autênticos, etc. Ou seja, seja qual for a nossa insegurança, ele promete-nos a solução, muitas vezes sob a forma de um atalho, naturalmente. Não sou psicólogo, mas penso que é evidente que o marketing convencional se aproveita dos nossos  desejos e não das verdadeiras necessidades, pelo que precisamos de desenvolver bases emocionais mais fortes para os nossos valores. Idealmente, poder-se-ia esperar que uma nova geração de marketeers quisesse inspirar um sentido mais profundo de propriedade, história e orgulho na manutenção de bens queridos.

É claro que é mais fácil falar do que fazer, uma vez que todos nós temos inseguranças ou factores que podem ser explorados. Aceitação, beleza e poder são explorações comuns mas mesmo as nossas aspirações, bem intencionadas, podem ser visadas. A marca Patagonia é um bom exemplo disso, por vezes apelidada de Pata-Gucci, o que implica que só as pessoas ricas podem dar-se ao luxo de dar um sinal de virtude à sua consciência ecológica comprando um casaco de penas que custa entre 80 e 200 libras. O contraponto é que se espera que o comprador o utilize durante muitos anos, mais do que um casaco barato, mas os números deste facto raramente são anunciados, pois seria tão longo que a maioria das pessoas o consideraria fora de moda se não o encontrasse primeiro.

Em muitos aspectos, o saco para toda a vida é um excelente exemplo disto, uma vez que a maioria dos consumidores pode sentir-se bem ao utilizar um saco de viagem ou um saco resistente de longa duração, mas provavelmente ficaria chocada com o facto de, para ser mais sustentável do que um saco de plástico de utilização única, as reutilizações do plástico terem de ser de 50 a 60 vezes e as dos sacos de algodão orgânico poderem ser de 20 mil vezes, o que nunca se concretizará de verdade.

Em resumo, o que pretendo dizer não é que a Patagonia é uma fraude, ou que ter um saco reutilizável não é melhor do que 20 mil sacos de plástico no oceano mas sim que precisamos de ser honestos quanto ao verdadeiro custo de uma compra, ao longo do seu tempo de vida real. Melhorar a literacia do carbono pode muito bem ser algo que tem de começar numa idade jovem, da mesma forma que se ensina nas escolas sobre a consciência alimentar ou financeira.

Talvez eu esteja a ser demasiado simplista mas penso que a moda do momento é o barómetro da porcaria mais simples para sermos cépticos. Se deitarmos fora algo que ainda parece novo mas que simplesmente não está na moda  estamos certamente a criar um problema. E simplesmente esperar e rezar para que seja magicamente reciclado, tal como as roupas, tem por trás uma realidade bastante chocante. Wasteland, de Oliver Franklin-Wallis, é uma óptima leitura sobre estes conceitos errados, pelo que a melhor forma de ganhar é manter as coisas em uso durante o máximo de tempo possível, seja através de reparação, atualização, troca ou revenda, para citar alguns exemplos. Não é que tenhamos de chegar a um extremo Mad Max / Steampunk, mas espero que encontremos mais beleza no envelhecimento gracioso de um objecto bem amado e que transmitamos histórias de propriedade tanto quanto o próprio produto.

Por que razão é a possibilidade de reparação um pesadelo para o mercado?

Não é. Mas é-o se o modelo de negócio não se adequar!

Se já teve um carro, provavelmente o seu primeiro, tal como o meu, foi em segunda-mão. Precisava de reparações e de manutenção para passar na inspecção técnica. De facto, foi-me dito de forma anedótica por pessoas que trabalham na indústria automóvel que uma regra geral é que 50% do lucro de um automóvel é obtido com a venda inicial e os outros 50% são obtidos através da manutenção e reparação ao longo da sua vida útil. Assim, podemos ver como se passa com os veículos eléctricos, que têm menos componentes mecânicos para reparar e, em vez disso, uma pequena bomba-relógio de uma bateria, que é tão cara que a maioria dos proprietários se limitará a desfazer-se do carro, a menos que tenhamos em breve um novo modelo de negócio de salvamento, reparação e renovação.

De facto, a legislação irá em breve exigir que as empresas do sector automóvel, e tantas outras empresas de outros produtos, tenham de assumir a responsabilidade pelo fim de vida dos seus produtos, pelo que parece que os números poderão, por exemplo, ser mais parecidos com 50% na venda, 25% na manutenção e actualizações, 25% na recuperação de materiais. Não ficarei surpreendido se, num futuro próximo, as empresas do sector automóvel tiverem acções na reciclagem de alumínio, plásticos e baterias, se é que já não têm? Talvez a Mercedes-Benz devesse comprar a revista, site, Auto Trader e transformá-la numa empresa circular! Será o big data o próximo campo de batalha competitivo sobre quais os carros que têm menos desvalorização, seja através de um óptimo design ou de uma óptima engenharia, ou de ambos?

É claro que tudo isto é mais fácil de dizer do que fazer. Sim, a indústria precisa de ser pressionada pela legislação e incentivada a inovar pelas vantagens do mercado, mas também os consumidores precisam de abraçar a possibilidade de reparação como uma virtude e de considerar a reparação e, ou, a depreciação de um produto como parte da sua decisão de compra. No entanto, isto provoca uma nuance interessante que muitas empresas terão de navegar, que é quem está qualificado para reparar, manter, servir e actualizar um produto?

No âmbito do meu trabalho com a DesignSpark na série Fight to Repair, entrevistei a directora de produto da Elvie, Sarah Liddel, e ela explicou que as suas bombas tira-leite de alta tecnologia são maravilhosamente pensadas. Elas foram concebidas para uma única utilizadora mas para vários filhos. Ou seja, não para uma única utilização, mas para uma mãe, em vez do mercado de aluguer, que seria multi-utilizador. Para as mães que param depois de, digamos, um filho, e talvez queiram revender esta bomba no eBay, a Elvie não apoia, e presumivelmente não pode apoiar esta prática uma vez que a bomba tira-leite é, obviamente, um dispositivo médico e também precisa de ser esterilizada e segura para alimentos. No entanto, podemos compreender que se trata de um dilema moral. Por um lado, é óptimo que as bombas não sejam deitadas fora em aterros, mas, por outro lado, é necessário seguir as orientações relativas aos regulamentos de higiene médica e alimentar.

É-nos dado a compreender que se trata de um grande risco para uma empresa, que tem de educar os seus utilizadores e estar consciente, mesmo que não seja directamente responsável dos riscos potenciais de um cenário de segunda mãe, de um bebé.

A ironia, claro, é que foi com as bombas para várias mães que tudo começou. Nos hospitais e depois o aluguer, mais uma vez, para vários utilizadores, lá arrancou. O líder do sector das bombas tira-leite alugadas e utilizadas em casa, de secretária ou de sutiã é a Medela, fundada em 1984. Elas foram concebidas para serem reutilizadas por diferentes mães. Será que assim talvez estejamos a fechar o círculo? É claro que teriam de ser feitas alterações significativas para criar uma bomba multi-utilizador suficientemente pequena para ser usada no sutiã e com as mãos livres.

Testes a baterias recarregáveis.

Se pensarmos em produtos verdadeiramente problemáticos como os vapes, de utilização única, que muitas vezes contêm baterias LiPo que ainda podem ser recarregadas mais de 500 vezes e que, no entanto, acabam em aterros ou no meio de arbustos. Felizmente, no momento em que escrevemos este artigo, parece que a União Europeia e o Reino Unido estão a ponderar medidas para combater esta situação e, potencialmente, proibir este tipo de dispositivos, incentivando os fabricantes a tornarem estes produtos recarregáveis e reutilizáveis. O contraste entre um produto justificável de utilização única e um produto reutilizável é algo que exige mais da nossa atenção, à medida que a legislação e os consumidores vão exigindo melhor. Enquanto designers, precisamos de aplicar uma boa ética de design para incentivar as pessoas a confiarem em produtos reutilizáveis, reparáveis e actualizáveis.

À medida que a legislação pressiona, incentiva, as empresas a serem mais progressistas nas suas remodelações Right to Repair, este tipo de responsabilidades de design em segunda-mão cai numa espécie de zona cinzenta, mas julgo que tais exemplos se tornarão cada vez mais comuns. Posso ter um aparelho antigo como um computador portátil e substituir a bateria, mas vendê-lo no eBay, com um visto, com substituição da bateria por terceiros? Quem é responsável no caso de um mau resultado se por exemplo a bateria avariar? Penso que é aqui que empresas como a FrameWork, uma FairPhone de computadores portáteis, fazem um interessante renascimento daquilo que, de facto, era norma há 20 anos e que de alguma forma nós nos perdemos na procura de uma estética fina como uma bolacha.

Os bons velhos tempos do fazer e reparar são muito bons, alturas muito menos litigiosas. Penso que qualquer empresa que tenha um produto louvável e que possa ser revendido, pode muito bem precisar de conceber um mercado secundário que não seja da sua autoria ou gestão. A Fairphone faz isso com as baterias dos seus telemóveis, tal como nos anos 90, outra vez, e com os seus excelentes auscultadores Fairbuds XL.  Não é preciso ser um perito em design para perceber que mudar uma bateria selada é comparativamente mais trivial de fazer num par de auscultadores do que uma placa de circuito impresso ou num componente higiénico de uma bomba de leite.

O mercado dos segundos utilizadores irá inevitavelmente crescer, sendo a geração Z uma forte defensora desta tendência. A nossa consciência, enquanto consumidores, sobre a forma de gerir os riscos tornar-se-á mais sofisticada, quer se compre roupa, brinquedos, auscultadores, automóveis ou bombas de leite em segunda mão. Haverá um círculo de feedback que os designers, os profissionais de marketing e as equipas jurídicas terão de melhorar. Não quero com isto dizer que o leigo deva ser encorajado a trabalhar ao nível de um cientista de foguetões mas espero sinceramente que se assista a um ressurgimento dos Manuais de Reparação Haynes e a um entusiasmo genuíno por aprender a reparar as coisas em segurança.

A Economia Circular está a ganhar força e os reguladores têm de ser proactivos no seu apoio, com uma abordagem pragmática baseada no risco. As pessoas comprarão, venderão, reutilizarão e repararão produtos, independentemente do que a regulamentação recomendar. Os fabricantes devem ser encorajados e livres de conceber produtos que permitam este objectivo, de uma forma segura, transparente e prática.

Processo de design Double Diamond, do Design Council.

Como avalia o actual processo de concepção de produtos?

Na qualidade de designer associado do Design Council, Reino Unido, que formulou o processo de design Double Diamond em 2005, essencialmente sugiro que se deve fazer duas rondas de pensamento aberto e depois pensamento focado, para compreender tanto a amplitude como a profundidade de uma oportunidade de concepção. Ainda assim mesmo este processo foi objecto de revisão, uma vez que era demasiado linear para alguns, e não reconhecia que a maioria das agências de design trabalham a tal velocidade que o primeiro dos dois diamantes é frequentemente negligenciado, criando assim um debate sobre se é realmente necessário em muitos cenários ou se o trabalho efectuado sem ele é pior por isso. Além disso, para as agências ou mesmo para os consultores individuais como eu, muitas vezes destacamo-nos por ir mais além, ou melhor, acima do primeiro diamante…

Infografia da ProtoLabs.

Por vezes designada por Fase Zero ou Orientação , em que o enunciado original do problema pode muito bem necessitar de um trabalho prévio para ser verdadeiramente compreendido. De muitas formas, a maioria dos consultores especialistas, como eu, são frequentemente contratados para desembaraçar o que é um dossier ou caso problemático, e ir mais  a montante para compreender as questões mais profundas, antes de avançar com maior rapidez, clareza e direcção. Compreender estas imprecisões pode ser fundamental para evitar o greenwashing, sendo honesto quanto aos verdadeiros valores e aspirações das pessoas.

Se formos um pouco mais longe e examinarmos o fabrico, uma estatística muito relevante seria a de que 70 a 80% do impacto de um produto no ambiente é determinado na fase de protótipo, design. É por esta razão que penso que é vital ir a montante do problema, uma vez que é aqui que podemos colocar as questões mais espinhosas, tais como:  este produto merece existir? A ética desta visão ou necessidade é responsável? Podemos ganhar dinheiro fazendo algo positivo para o planeta? Penso que isto nos diz realmente para onde está a apontar a bússola moral de uma empresa, mas também a sua apetência para a mudança positiva. É seguro dizer que estas perguntas só podem ser feitas quando a confiança é suficientemente conquistada para ajudar a forjar um caminho que seja rentável e sustentável. Afinal, mesmo as empresas verdes precisam de ter sucesso no comércio. A B-Corp, certificação de credibilidade ambiental, está a dar os primeiros passos mas é certamente um começo credível, com ênfase na melhoria contínua em torno da sustentabilidade, embora ainda não exista uma medida universal de bom, pelo que, por enquanto, as coisas continuarão a ser relativas. Mas é um bom começo. Poder-se-ia até propor que os designers fizessem um juramento de melhor design, da mesma forma que os engenheiros juram ser responsáveis no seu trabalho quando são licenciados.

Curiosamente, até o Design Council está a rever o seu processo altamente influente e espera-se que não só seja mais franco em relação às fases iniciais, que nos ajudam a compreender melhor o cerne de uma questão, mas que também o torne mais num círculo de feedback, de modo a que a circularidade seja parte integrante do processo de uma empresa. Cradle to Cradle e Doughnut Economics estão certamente na sua lista de leitura, mas será interessante ver como, por exemplo, se o Double Diamond se torna mais honesto nas fases iniciais, mas também mais circular depois de um produto ser lançado. Penso que a seta do feedback será um teste ácido para saber se as empresas estão ou não a cumprir o prometido!

Temos a memória de que os electrodomésticos dos nossos pais duravam mais tempo. O que é que está por detrás da estratégia dos produtos com um ciclo de vida curto?

Simplificando, a moda e o facto de queremos estar ao nível dos vizinhos tem desempenhado um papel importante na velocidade do consumismo, o que tem tido um duplo efeito de espiral descendente: a) não incentiva os fabricantes a fazerem as coisas durar, porque b), não as utilizamos durante um longo período de vida. As duas coisas alimentam-se uma à outra e, se não repensarmos radicalmente o nosso conceito de valor, vamos dar-nos mal. 

Embora pareça tentador culpar a indústria pela obsolescência planeada, penso que isso seria absolver falsamente os consumidores de qualquer culpa por não comprarem com uma mentalidade a mais longo prazo. Voltando às nossas  inseguranças, penso que os consumidores têm de ser realmente honestos sobre as razões que os levam a comprar produtos electrónicos do momento, para um nível de conveniência que é prejudicial para o nosso futuro.

Olhando para trás, também é preciso dizer que os electrodomésticos mais antigos eram indiscutivelmente mais simples. Sim, as máquinas de lavar roupa podiam ser reparadas várias vezes, mas só tinham cerca de 3 tipos de lavagem e, segundo os padrões actuais, todos eles destruíam as suas peças delicadas. Por isso, estas coisas evoluíram de mãos dadas com outras indústrias, desde os têxteis aos detergentes. Dito isto, é justo dizer que a maioria das pessoas da Geração Z provavelmente não sabe coser um botão, passar uma camisa, ajustar o comprimento das calças, cerzir ou remendar algo, ou utilizar uma máquina de costura. Temos de ser justos em relação ao que as capacidades de cada geração estão dispostas e são capazes de fazer. Cada geração tem uma visão idealizada da mesma e temos de ter cuidado para não escolhermos as melhores facetas, esquecendo as piores.
O filme “Meia-noite em Paris” tem uma cena maravilhosa que permite a um indivíduo nostálgico viajar no tempo para o seu período favorito, 50 anos no passado, apenas para ver que eles lamentam um tempo anterior ao seu… e assim por diante. Salvo raras excepções, o presente é geralmente melhor do que o passado, em termos holísticos.

Isto pode parecer um pouco controverso mas eu penso que até mesmo a noção de alterações climáticas não é nova. Sim, esta é a primeira vez na história que nós, a mesma geração responsável pelas alterações climáticas, poderá sofrer os revezes mas os humanos têm sempre resistido, seja a Peste Negra ou a Covid, o colapso de impérios e dinastias e por aí em diante. O que é possivelmente a diferença mais marcante deste momento é que não podemos colocar o assunto ao sabor da fúria divina, nem tão pouco esperar por uma salvação mágica ou perder tempo a apontar o dedo aos que são piores do que nós … e por isso não deveríamos tentar.
O filme Network, de Peter Finch, de 1976, tem um monologo incrível que poderia ter sido escrito nos dias de hoje:

“We know things are bad – worse than bad. They’re crazy. It’s like everything everywhere is going crazy, so we don’t go out anymore. We sit in the house, and slowly the world we are living in is getting smaller, and all we say is, [in mocking tone;] ‘Please, at least leave us alone in our living rooms. Let me have my toaster and my TV and my steel-belted radials and I won’t say anything. Just leave us alone.”

E prossegue com a pergunta, por que razão é que num mundo divino nos debatemos sobre a ausência de um líder messiânico que nos possa mostrar o caminho? Eu suspeito que o trecho poderá ter influenciado os escritores Monty Python no seu filme “A Vida de Brian”, de 1979, que também satiriza sobre poderosas instituições e a apatia das massas ao mesmo tempo. Parece que estamos numa década depois e continuamos a debatermo-nos no sentido de estimular os nossos esforços individuais para consumir menos e encontrar significados mais profundos para as nossas vidas, sem que primeiro nos seja advertido ou exposto como algo maior do que nós.

Sobre a pergunta do processo de produzir, eu penso que nós, como designers, precisamos de reflectir na citação de Papanek, anteriormente mencionada, e não nos abstermos em fazer o que seja mas procurando formas de fazermos as coisas de tal forma que elas possam ser apreciadas mais tempo do que aquele em que as detemos. E que as suas qualidades para nós sejam por exemplo baseadas num sentimento mais profundo que as nossas inseguranças, mais pelo nosso amor pelo mundo, pelos outros e, talvez, por nós.

Porque é tão difícil implementar estratégias de produção honestas e responsáveis?

Acho que somos criaturas de hábitos e tememos o desconhecido. Ao trabalhar com a ProtoLabs numa série de webinarsInspiron” sobre design e sustentabilidade, em 2020, conversando com mais de 20 especialistas de todo o mundo sobre assuntos tão variados como a legislação até aos bioplásticos e a mudança cultural na cadeia de abastecimento, ficou claro que o padrão geral era que a mudança é difícil, mesmo que gostemos da ideia, pode ser complicado superar comportamentos profundamente enraizados e certezas estabelecidas.

Lembrei-me do lendário filme “Ikiru“, de Akira Kurosawa, no qual um burocrata que foi diagnosticado com cancro e depois consegue se livrar da sua rotina para finalmente adicionar algum significado à sua monótona vida de segurança. O que talvez seja comovente não é tanto a morte do burocrata, embora seja triste, claro, mas sim como ele não foi capaz de fazer isso sem a ameaça iminente do cancro. O espectador talvez se comova pela perda de sua vida, mas talvez outra tristeza sentirá por ele não ter vivido plenamente mais cedo. Resta-nos então considerar o quanto nós próprios estamos dispostos a perturbar a zona de conforto, como o burocrata, ou encontraremos desculpas para viver amanhã como vivemos hoje?

Quando estamos no início das nossas carreiras, normalmente não temos poder real e, no entanto, quando eventualmente subimos suficientemente alto para ter alcançado poder suficiente para fazer a diferença, outras pressões, como o sustento da nossa família, o nosso estatuto, ou o ego, pode impedir-nos de usá-lo para um bem maior.

Uma peça da LEGO que pode ser reparada pelo utilizador.

A Dinamarca é aparentemente o país mais verde do mundo e tendo trabalhado e vivido lá, aquando da minha passagem pela LEGO, posso certamente atestar que há algo profundamente entrelaçado na estrutura da sociedade, através de conceitos como Hygge, um conceito difícil de entender. Eles traduzem senso de simplicidade, excelente escolaridade e atitudes progressistas em muitas questões sócio-políticas. Poderia ser tentador recortar e colar ou exportar o sistema dinamarquês para outros países e, pronto, eles seriam também verdes como a Dinamarca! No entanto, para não ser indelicado com os dinamarqueses, penso que a maioria dos meus amigos dinamarqueses não citaria muitas das suas vilas e cidades como sendo especialmente diversas do ponto de vista cultural e com 80% dos seus empregos afectos ao sector dos serviços. O sonho dinamarquês não se traduz facilmente para tantos outros países cosmopolitas. Tal como as nossas culturas são abençoadamente únicas e vibrantes, também as nossas contribuições para a sustentabilidade devem assumir nuances e ressonâncias semelhantes com um povo, para que elas tenham sucesso.

Na verdade, a LEGO deu passos ousados no seu compromisso de abandonar o plástico ABS virgem nos seus tijolos e, no entanto, em 2023 redigiu esta medida, devido ao desafio ser mais complexo do que se pensava inicialmente. É claro que sou tendencioso, mas admiro que eles tenham abordado o problema a um nível profundo do material e não estivessem apenas à procura de uma lavagem verde. Sei que continuarão a inovar neste aspecto, mas, como consumidores, precisamos de aplaudir um esforço sincero, de uma cultura e de uma empresa pois isso encoraja a legislação em geral a ser também mais progressista. Estas coisas estão todas interligadas, por isso penso que quando perguntamos quem é o responsável não há nenhuma parte singular que seja inocente ou inteiramente culpada. Dito isto, voltando ao filme Ikiru, será que precisamos de um ultimato de vida ou morte para estimular a nossa determinação de fazer a diferença? Espero que não.

Será que a ciência e a tecnologia sozinhas resolveriam os nossos problemas?

Se perguntasse à minha avó, mulher de um policia e mãe de três rapazes, qual foi a coisa que mais mudou sua vida, ela, sem hesitar, diria a máquina de lavar. Isto sem dúvida provocaria uma gargalhada na juventude afortunada e aspiracional de hoje, e ainda assim não há coisas que eu faça durante 3 a 5 horas por dia, de forma bastante ingrata, pelas quais um produto de £ 200 simplesmente faria tudo desaparecer, talvez por 15 minutos. Ela literalmente recuperou a vida graças a esta inovação tecnológica, aliada à ciência de um bom detergente.

Mais tarde, ela usou esse tempo livre para conseguir um segundo emprego de meio período laboral. Esse trabalho trazia muitos benefícios, mas sem dúvida também trazia sexismo casual. A tecnologia provavelmente dá com uma mão e tira com a outra. Você poderia dizer, mas mesmo se considerar isso como três passos para frente e dois para trás, talvez possamos dar um passo à frente para a agitação da minha avó, um passo à frente para a tecnologia, mas certamente não podemos culpar a tecnologia pelo recuo. O problema do sexismo, e muitas outras injustiças sociais, é claro, serão resolvidos através da nossa humanidade, não da nossa tecnologia.

Parece que a tecnologia é ao mesmo tempo um catalisador e um espelho. Amplifica o que temos dentro de nós, seja abertamente ou latente, e de acordo com a fábula da Caixa de Pandora, precisaremos de lidar com questões mais complexas a cada emergência de uma nova tecnologia. Quer se trate da máquina de lavar roupa ou da bomba atómica na década de 1940, ou da IA a ser utilizada para rastrear a cura do cancro ou para travar guerras cibernéticas. Precisaremos de gerir a ética e guiar os trilhos para garantir que os prós superam os contras.

Eu vi Charlie Brooker, famoso por Black Mirror, ao vivo, na O2, em Londres, em 2018, e parafraseando-o, ele disse que achava a distopia mais fácil de escrever do que a utopia. Ele estava a ser sincero, não apenas sobre o desafio como escritor mas também sobre nossa mentalidade como consumidores, de realmente comprar a utopia tão prontamente quanto os problemas iminentes. Várias fontes científicas sugerem que esta proporção é de cerca de 10:1, razão pela qual nos sentimos tão desconfortáveis com o novo e o desconhecido, uma vez que as nossas raízes comportamentais neandertais são compreensivelmente cautelosas. Brooker também disse que, por escrever vinhetas tão perturbadoras sobre o futuro, ficaria mais preocupado se as pessoas concordassem com tudo isso. E, ironicamente, isso dá-lhe esperança de que somos eticamente conscientes e de que sabemos distinguir o certo do errado, apesar do engôdo dos cliques nas redes sociais. A questão então é se sabemos o que é certo, como encontramos coragem para o fazer? Por mais que eu julgue tentador gabarmo-nos de que domaremos a tecnologia à nossa vontade -da mesma forma que uma floresta dá ao ferreiro o minério que ele tempera e torna numa ferramenta de seu desejo- com tecnologia. Material World de Ed Conway é uma óptima leitura sobre isso, diria que está mais próximo de um jogo de azar e de pura sorte. Mesmo o lendário Tim Berners-Lee,  pai da Internet, não imaginou a totalidade da World Wide Web, ele viu-a como uma forma dos académicos compartilharem documentos. E todos poderão constatar que ele não comprou acções da Google em 1998, ou da YouTube em 2005, assim como nós realmente não sabemos qual startup está a dar as boas-vindas à próxima inovação histórica em 2024. O que quero dizer é que, sublinho isso muito abertamente como consultor de tecnologia, não se pode prever o futuro. O melhor que se pode fazer é pensar no que parece inevitável, citando o livro de Kevin Kelly, e zelar pelo que já se encontra em fase de andamento, da forma mais acertada que podemos.

Como podem os designers contribuir de forma mais eficaz para reverter más práticas?

Se tomarmos o exemplo da máquina de lavar da minha avó, no curto prazo, foi óptimo. No entanto, durante a minha vida, após a sua morte, uma nova preocupação inesperada com os micro-plásticos chamou a nossa atenção. As máquinas de lavar não são culpadas por si só, mas certamente contribuem para a propagação das fibras sintéticas que entram nos nossos rios e oceanos, de tal forma que, aparentemente, comemos cerca de um cartão de crédito de plástico por semana!

Ao contrário de Oppenheimer e da génese da bomba atómica, podemos nem sempre estar conscientes da totalidade daquilo que criamos, tanto na sua criação, como após a nossa morte. Assim como ser pai, podes praticar uma boa acção apenas para descobrir que há uma má consequência. E, no entanto, isto não significa que desistimos, mas que continuamos a ajustar-nos e a fazer um balanço. Revemos estratégias e consideramos o círculo de feedback não apenas como o crescimento pessoal do nosso filho mas também como o nosso. Também espero que percebamos as verdades inconvenientes das alterações climáticas como algo que podem muito bem agudizar no curto prazo, mas que será algo digno da nossa atenção, compaixão e criatividade, para fazermos o melhor que pudermos com o conhecimento que temos ao nosso alcance.

O que tem sido emocionante em trabalhar para ProtoLabs, RS Group e outros na questão do design sustentável, é que é certamente complexo mas às vezes pode começar com uma pequena contribuição. Se começares a usar em 2024 Screws not Glues na montagem do produto como regra geral -e sim, existem algumas excepções, então faz o teu trabalho de casa-, e que esse impulso vale a pena qualquer erro de curto prazo se a atitude esmagadora de uma equipa e de uma empresa for fazer melhor do que antes.
Só porque os sacos de algodão orgânico se tornaram o anti-herói da sustentabilidade, não significa que todas as empresas estejam cinicamente a fazer greenwashing a quem tinha um saco. Que isso nos deve deixar claro que precisamos de escavar mais fundo para compreender as múltiplas verdades que podem estar contidas, e algumas podem estar em desacordo umas com as outras. Por exemplo, as baterias recarregáveis ​​são melhores que as alcalinas, mas apenas se o aparelho final em que são usadas precisar de mais de 50 recargas. Como aparentemente dizem os engenheiros da NASA: In God we Trust, All Else Bring Data.

Penso que até os meios de comunicação social precisam de diferenciar entre, digamos, uma empresa que perfura areias betuminosas -na verdade, não consigo ver nenhuma vantagem neste processo destrutivo e perigoso- e uma empresa que publicou, honestamente, relatórios de análise de potenciais impactos de produtos ou de serviços durante o seu total ciclo de vida, pressionou pela melhoria contínua na busca do status de B-Corp e de boa-fé tentou, em última análise, reduzir o consumo frívolo – mas aqueles que possam ter cometido erros num pequeno detalhe não devem ser mais perseguidos do que aqueles que desrespeitam abertamente qualquer dever de melhoria. Isto não quer dizer que boas intenções sejam um cartão para sair da prisão, mas que nós, como designers, precisamos de ser mais transparentes sobre o nosso percurso até um produto estar finalizado. Embora eu suspeite que o consumidor irá implorar por um intermediário para simplificar esses relatórios, em coisas do tipo como as dez principais marcas verdes ou à atribuição de um sinal de semáforo para as coisas boas, mais ou menos e más. Como consumidores precisamos de reconhecer que o nosso voto conta e isto inspira mudanças na legislação e no comércio, e não o contrário.

Em resumo, como designers, devemos tentar o nosso melhor para compreender aquilo a que estamos a dar início e tal como os bons pais não devemos esquecermo-nos disso. Devemos, é claro, ver isso como algo que vive para além da saída da fábrica que o criou e como algo de que nos orgulharemos para o resto da vida, ou talvez deva dizer para a sua longa vida. Podemos nós criar um tal produto que seja reparável, actualizável e revendido a novos utilizadores?

Percebo que ao escrever isto, parece que este sentimento talvez tenha algo em comum com o Frankenstein de Mary Shelly, a diferença, claro, é que as nossas criações não podem falar… mas o que nos diriam elas se pudessem?

Embora seja uma provocação peculiar, talvez isto concentre a mudança de mentalidade que precisamos. Serão as nossas criações inerentemente precárias, que sem a nossa administração podem virar-se contra nós, sejam elas produtos, produtos químicos, nutrição ou IA.. quantas fábulas serão necessárias para reconhecer que precisamos apreender o nosso amor por sermos criadores, mas também devemos ser feitos para a assumir a responsabilidade de tal actividade. Parece que a circularidade é o circulo de feedback que precisamos para testemunhar de verdade se as nossas acções são realmente boas.

Afinal, o subtítulo de Frankenstein era “The Modern Prometheus”. Somos menos o que dizemos e mais o que fazemos.

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