O caminho da Neuro-Arquitectura

A Neuro-Arquitectura está a dar os primeiros passos em Portugal e Teresa Ribeiro é quem está a desbravar terreno no sentido de melhorarmos a forma como o espaço construído interage connosco. É um trabalho baseado em dados científicos, envolvendo equipas multidisciplinares, tendo como propósito entender a relação que o cérebro estabelece com o meio envolvente. A criação da Academia Portuguesa de Neuro-Arquitectura é o primeiro passo na disseminação de conhecimentos e na prestação de serviços de projecto, consultadoria e investigação.

Entrevista de Tiago Krusse
Fotografia: Cortesia da Academia Portuguesa de Neuro-Arquitectura

O que é a Neuro-Arquitectura?
A Neuro-Arquitectura é a ciência que estuda a interação entre o ambiente construído e o comportamento humano através de descobertas da neurociência e da relação entre o corpo e a mente, é possível perceber os estímulos externos que originam determinadas respostas. Nesse sentido princípios como a empatia, os neurónios-espelho, o design biofílico, o design activo, a teoria do restauro cognitivo e a teoria da redução do stress, já comprovadas, fornecem ferramentas para o design baseado em evidências facilitando o projecto de espaços que melhoram o bem-estar físico, mental e social. A disciplina une arquitectura, psicologia, psicologia ambiental, sociologia e neurociência, traduzindo as pesquisas científicas em aplicações práticas. Identifica características dos espaços que têm consequências especificas no organismo e comportamento humano.

Quem são as pessoas, de maior relevância, que estão a desenvolver este campo de actividade?
A Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA) sediada no Instituto Salk, em La Joia, na California, é a casa-mãe do conhecimento sobre a Neuro-Arquitectura e onde inúmeros profissionais estão filiados já com dependências em alguns países fora dos Estados Unidos da América.
Actualmente existem alguns grupos com pessoas bastante qualificadas. Podemos indicar na prática profissional Upali Nanda, da HKS, Tye Farrowda Farrow Partners Architects, Saraha Goldenhagen, Sarah Robinson, Ann Sussman, da HAPI, Itai Palti, do CCD, e Andréa de Paiva. Investigadores e teóricos António Damásio, Juhani Pallasmaa, Harry F. Mallgrave, Michael A. Arbib, Colin Ellard, Hugo Spears e Susan H. Magsamen do International Arts + Minds Lab. Existem mais profissionais mas estes penso serem os com maior relevância no momento.

Onde se começaram a dar os primeiros passos?
Nos Estados Unidos da América, mais precisamente na Califórnia em 2003, no Instituto Salk, em La joia, onde fica a sede da ANFA.

A arquitecta Teresa Ribeiro, no primeiro encontro de Neuro-Arquitectura, Bem-Estar e ESG, realizado em Lisboa, no final de Novembro de 2024.

Quando é que se assumiu a sua importância?
Penso que foi com a pandemia de COVID-19, que realmente se começou a dar mais importância a todas estas questões relacionadas com o nosso bem-estar, a nossa saúde mental e física. Até então o conhecimento gravitava na esfera académica, com bastantes estudos e resultados, mas sem uma grande repercussão na prática arquitectónica. Foi pouco antes da pandemia que se começou a dar importância aos estudos dos sintomas do “edifício doente” e relacionar as questões de sustentabilidade com a saúde. Até então a grande maioria dos estudos e projectos centravam-se em temas mais focados na pegada ambiental do edificado, deixando a saúde e bem-estar para o sector especifico do wellness.  

Como foi recebida pelos arquitectos e pelos actores no campo da construção?
Ainda estamos num período de divulgação, sendo que os estudos científicos têm uma janela de tempo até serem efetivamente aferidos resultados válidos. Existe alguma resistência por parte da comunidade artística, no que respeita à introdução de conhecimento científico no campo das artes. Mas cada vez mais esse conhecimento se cruza com ciências como a biologia, a endocrinologia e várias outras disciplinas relacionadas com o sistema nervoso. Explicando as reacções de todo o organismo humano ao seu meio envolvente. O que conduz a uma melhor compreensão do público para o qual estamos a projectar, traduzindo-se em capacidades de responder com mais eficácia à projecção de espaços que cumpram com os pressupostos das actividades e necessidades dos seus utilizadores promovendo a saúde e o bem-estar.
No campo dos actores da construção é notório um interesse crescente por todos estes conceitos, principalmente pela consciência de que o público está mais sensível, interessado e comprometido com o aumento de qualidade de vida nos diferentes espaços que ocupa. Podemos referir o caso específico do sector dos escritórios que atravessam uma profunda mudança de paradigma, com a adopção do teletrabalho torna-se muito mais desafiante a atracção dos trabalhadores aos locais de trabalho se não existirem incentivos muito fortes entre eles e a qualidade espacial.

Por que motivos decidiu entregar-se à Neuro-Arquitectura?
Sempre tive a perfeita noção que o meio onde vivemos condiciona as nossas acções. Como grande apologista da Epigenética, procurei sempre algo que realmente me apoiasse nessa ideia. Quando estudei sociologia pensei que seria um curso ideal para tirar depois de ter alguma prática de arquitectura, para aprofundar o conhecimento do comportamento social dos seres humanos. Pensei isso no 12º ano, que faria essa licenciatura aos 40 anos, mas antes dos 40 anos descobri a Neuro-Arquitectura e descobri igualmente que era isso que sempre procurei e que realmente dá sentido à minha atividade profissional. Saber como fazer do mundo um lugar melhor para todos! 

Olhando para a arquitectura feita em Portugal que insuficiências denota por parte dos arquitectos em ter em conta aspectos ligados ao bem-estar que vão para lá da boa construção?
Podemos iniciar pelo que já referi sobre um dos temas que abordamos o design centrado no ser humano, ou mais recentemente cunhado por Sarah Robinson, Life Centric Design, projecto centrado na vida, porque se incorpora o design biofílico, deixando de estar centrado no humano e passando a estar centrado na vida como um todo. Este pressuposto tem como base a compreensão profunda de todos os intervenientes no processo de projecto e uso dos espaços que são pensados e concebidos. A grande alteração de pensamento prende-se com o olhar do arquitecto para o projecto deixa de ser como a “sua obra” e a abordagem passa a ser qual o “seu contributo” para quem vai interagir com ela. Refiro-me à teoria da empatia e dos neurónios-espelho, que colocam o arquitecto num patamar mais social mantendo o valor da estética e da arte em todo o processo. Explicado no livro The Architect’S Brain Neuroscience, Creativity, And Architecturede Harry Francis Mallgrave. O que acontece no cérebro do arquitecto.
Nas escolas portuguesas de arquitectura, bem como na maior parte do mundo, ensina-se o arquitecto “estrela” e artista, descorando da real responsabilidade do impacto que as suas obras têm na sociedade, “nenhum espaço é neutro” e tendo este conhecimento os arquitectos têm também o dever de serem activos na promoção da saúde e bem-estar.
Penso que na realidade existe uma forte lacuna na formação e também na prática, que não é um exclusivo de Portugal. 

É um trabalho exclusivo de arquitectos?
A prática da Neuro-Arquitectura baseia-se nos estudos e no trabalho de equipas multidisciplinares que incorporam arquitectos, designers, neurocientistas, psicólogos ambientais, sociólogos, psicólogos, filósofos e todos os stakeholders influenciados pelos espaços que estamos a projectar, tais como médicos, professores, trabalhadores permanentes ou temporários, habitantes e hóspedes, etc. Esses estudos são a base para projectar cidades, edifícios e interiores.

Estudo sobre como os Estádios de futebol interagem com os seus diferentes utilizadores, da autoria de Teresa Ribeiro.

Em que diferentes patamares se desdobra esta ciência?
Em todas as situações onde existirem intervenções ao nível espacial, nas suas diferentes dimensões e escalas, desde a escala urbana, à escala habitacional, escolas, hospitais, escritórios, parques, fábricas, estádios de futebol, centros comerciais e por aí em diante. Podemos abordar por tipologia de espaços, porque na realidade o que está em causa são as características dos ambientes (afordances). Os patamares poderam igualmente estar relacionados com os objectivos que se pretendem para determinado espaço, tendo como foco principal a promoção da saúde, física, psíquica, emocional e social, ou o designado “Design Salutogénico”.
Os princípios baseiam-se em vários estudos alguns já referidos tais como wayfinding, nudjing, framing, design biofílico, design activo, teoria do restauro cognitivo, teoria da redução do stress, teoria da empatia e os neurónios-espelho, controlo de estímulos e neurodiversidade.

De que modo os profissionais do sector estão a receber todos estes desenvolvimentos?
É notório um interesse bastante elevado, mas também uma grande espectativa. Tratando-se de uma disciplina relativamente nova ainda existem bastantes grupos que apenas mais recentemente tiveram acesso a este conhecimento, demonstrando que ainda há um grande caminho a percorrer na divulgação e na formação. 

Acaba de fundar a Academia Portuguesa de Neuro-Arquitectura. Quais são os objectivos a curto prazo e que benefícios trará a instituição ao sector?
Os principais objectivos da academia passam pela disseminação do conhecimento e a criação de um hub de fornecimento de serviços de Neuro-Arquitectura, nomeadamente de projecto, consultoria e investigação. Pretende igualmente formar grupos de investigação em parcerias com universidades, laboratórios e empresas do sector com o intuito de contribuir para a produção de evidências científicas e para a sua implementação nas práticas projectuais.

Para si o que é boa arquitectura?
Acredito que a boa arquitectura é que conjuga a estética com o cumprimento das necessidades da sociedade a que se destina. Todos os edifícios, parques, ruas, praças e percursos têm um impacto ou seja, existe uma consequência da nossa interacção com eles. Como disse Sir Winston Churchill “We shape our buildings; thereafter they shape us“. A boa arquitectura é aquela que nos faz sentir bem!

Teresa Ribeiro


Com mais de 20 anos de experiência em arquitectura residencial, urbana e de reabilitação, direccionou o seu foco para a investigação em Neuro-Arquitectura. Fundadora da Academia Portuguesa de Neuroarquitectura, APN, a sua intenção é integrar os conhecimentos dessa disciplina emergente na formação e prática arquitectónica em Portugal.

Membro da Academy of Neuroscience for Architecture, ANFA, do Reino Unido, participou na última conferência do seu 20º aniversário da com um poster onde explorou o impacto do ambiente de trabalho no bem-estar físico, psíquico, emocional e social dos colaboradores. A investigação destaca a influência do local de trabalho na saúde dos trabalhadores permanentes, utilizando como estudo de caso o estádio do Braga e sua relação com o ambiente laboral.

Formada em Arquitetura pela Universidade Lusíada de Lisboa, frequentou o último ano na Università degli Studi di Roma La Sapienza ao abrigo do programa Erasmus. Efectuou o mestrado em Reabilitação de Monumentos pela Universidade Politécnica da Cataluña. Possui Pós-Graduação em Gestão de Projetos pelo ISEG, Lisboa, e Pós-Graduação em Análise de Investimentos Imobiliários pelo ISCTE, Lisboa. 
Participou no curso REM 2022 na Harvard Business School (Real Estate Management, Leadership and Design). Terminou o curso Neurociência Aplicada a Ambientes e Criação (Neuroau) com certificação do MEC (Ministério de Educação e Cultura do Brasil).
Participou no programa Moving Boundaries – Winter Course Italy 2023 – Human Sciences and the Future of Architecture – Venezia e Umbria e Nordic X (ANFA – Association Neuroscience for Architecture). Efetuou o curso Sustainable Real Estate: Analysis and Investment (MIT | SA+P) e é Certificada em PNL Practitioner (Programação Neurolinguistica).
 
Actualmente encontra-se em Lisboa onde dirige e coordena o departamento de projecto e controlo de qualidade da empresa promotora imobiliária familiar Irmãos Mota, Lda (com mais de 45 anos no mercado da promoção imobiliária desenvolve um papel importante no design urbano e na criação de comunidades).

Colaborou durante 4 anos com o gabinete de arquitectura Carlos Ferrater em Barcelona, onde paralelamente desenvolveu trabalho com a equipa de Arquitectos sem Fronteiras. Desenvolveu vários projetos habitacionais em Moçambique, nomeadamente em Maputo e Pemba onde também colaborou com organizações não governamentais e apoio à comunidade local.

Desenvolveu e leccionou em cursos de formação para arquitectos recém-licenciados no âmbito da especialização em Reabilitação Urbana e Gestão de Qualidade.

É membro da ANFA UK, ACE (ANFA Center for Education), Moving Boundaries Alumni, Global Wellness Institute, GRI Club, Women Leading Real Estate, WIRE (Women in Real Estate) e APPII (Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários).