
Rúben Silva
O designer português lançou o Studio Silva há quase cinco anos e desde então tem investido na produção da sua própria colecção como também tem desenvolvido produtos para outras marcas. Alia a funcionalidade e a colaboração de artesãos nacionais, promovendo assim a arte e os saberes tradicionais. Ainda num processo de crescimento, dá mostras de ideias claras e bem definidas, num conjunto de produtos com histórias e de técnicas bem assimiladas.
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Entrevista por Tiago Krusse
Fotografias de Bruno Couto

O que levou a apresentar os vossos produtos na edição do Salão do Móvel de Milão, no Salone Satellite, e que investimento foi preciso para marcar presença?
Desde que me formei como designer, sempre vi o Salão do Móvel de Milão como o ponto mais alto onde qualquer marca deseja chegar. Quando iniciei o Studio Silva, foquei-me principalmente no mercado nacional, mas este ano decidi dar o passo de investir na presença numa feira internacional, a nível individual. Sabia que o Salone Satellite era uma boa plataforma para jovens designers, num contexto inserido no Salão do Móvel, com condições especiais de participação. No ano passado, informei-me sobre essa possibilidade e enviei a candidatura. O investimento total, incluindo espaço, peças, estadia, material e logística, foi de cerca de 9 mil euros.
Neste momento quais são as traves-mestras na sua abordagem ao design de produto e qual o seu espírito?
Na minha abordagem ao design, desenvolvo peças onde a escala, a harmonia dos materiais e a estética se equilibram. A funcionalidade é sempre uma prioridade que não gosto de descurar. Procuro que as minhas peças sejam intemporais e não apenas o reflexo de tendências passageiras, tento sempre que se possam encaixar em vários cenários de utilização ou com diferentes aplicações de materiais. Desde a criação do Studio Silva, tenho valorizado as técnicas artesanais e as colaborações com artesãos portugueses, preservando saberes tradicionais. Mas este ano isso tem sido mais evidente, em especial nesta colecção que levei a Milão. Usei técnicas como o entrelaçado em corda de papel (corda dinamarquesa), bunho, tecido de burel e entalhe na madeira. Estas técnicas reinventadas conferem a cada peça um valor único, emocional e contemporâneo.

Onde começou o vosso estúdio e como encaram a actividade em todo um processo desde a ideia à venda do produto?
O Studio Silva arrancou em Janeiro de 2021, inicialmente focado em desenvolver peças de mobiliário e direcção criativa para outras marcas. Numa fase inicial fui criando peças e divulgando-as no site e redes sociais, muito dentro daquilo que é o meu gosto. Ao longo do tempo fui desenvolvendo trabalhos para outras marcas ao mesmo tempo que ia criando estas peças para o meu portfolio pessoal. O Studio Silva começou então a assumir a sua coleção própria, e passei a focar-me exclusivamente na comercialização destas peças ou desenhadas à medida para cada cliente. Encaro cada projecto como um processo completo: da ideia e conceito, à criação de desenhos e simulações 3D, à selecção de materiais e técnicas de produção. Acompanho cada etapa até à entrega final, mantendo uma grande proximidade com o cliente, perpetuando uma relação transparente e de confiança.
Nesse processo, quando é que sentem as maiores dificuldades em manter inteira a filosofia de trabalho?
Eu diria que nesta fase a maior dificuldade surge na gestão do tempo dos vários departamentos, desde o design, marketing, vendas e toda a logística envolvida até à entrega da peça em casa do cliente. Nesta fase falta-me uma estrutura maior para dar atenção completa a cada etapa, especialmente no desenvolvimento de novos produtos para a colecção, onde o tempo se torna mais limitado. Mas isso são etapas e dificuldades de crescimento.
Como estabelecem as vossas prioridades?
Como disse, eu lido com várias áreas e departamentos por isso estabelecer prioridades é de facto um desafio. A primeira prioridade é garantir um bom produto, com um bom design e com o valor adequado ao segmento de mercado que pretendo atingir. Eu diria que o acompanhamento da produção é tambem fundamental, especialmente no desenvolvimento de novos produtos, garantindo que tudo seja produzido conforme planeado e que todos os pormenores sejam aprimorados. Deste modo o contacto directo com os artesãos e fornecedores é crucial. Depois, a comunicação da marca, marketing, website, vendas, entregas e pós-venda são geridos ajustando a prioridade conforme as necessidades do momento ou época do ano.

Por quais caminhos traçam uma estratégia comercial? Ela influencia nos materiais que seleccionam e na exigência da produção?
A nossa estratégia comercial combina proximidade com estúdios de arquitectura e design de interiores e no reforço da presença junto do cliente final através de feiras, exposições e redes sociais. O nosso segmento de mercado exige que a qualidade dos materiais seja algo já inerente a cada uma das peças e que exista esta exigência da produção e grau de sofisticação. Desse modo escolhemos sempre madeiras, metais e estofos de alta qualidade, e procuramos processos que aliem técnicas mais artesanais à eficiência produtiva. Assim, conseguimos atender às necessidades do mercado sem perder a identidade da marca.
Quais as maiores dificuldades que sentem em dar visibilidade ao vosso trabalho?
As maiores dificuldades eu diria é conseguir destacar-se perante marcas mais consolidadas no mercado, principalmente nos primeiros anos. Outro desafio é comunicar de forma mais clara e eficaz o verdadeiro valor das peças — todo o trabalho manual, o tempo de produção e a qualidade superior dos materiais. Para superar estes desafios, tenho feito investimentos em feiras, colaborações com estúdios de interiores e aposta em marketing digital, procurando reforçar a visibilidade da marca. O nosso objectivo é que cada peça conte a sua história e seja reconhecida pelo seu valor único.

Num dos vossos produtos juntam o artesanato e o design. Que mais-valias encontram nessa complementaridade?
Na colecção de peças que levámos a Milão este ano, quis unir design e artesanato português. O artesanato traz autenticidade e unicidade a cada peça, preservando técnicas tradicionais e reinventando-as de forma a perdurar no tempo. O design, por outro lado, acrescenta inovação, funcionalidade e uma visão contemporânea. A união destes dois mundos gera peças que vão além do funcional, transmitindo uma identidade cultural e significado emocional diferenciador, destacando-se assim no mercado.
Enquanto designer como avalia o valor que o público que lhe dá pelos conhecimentos adquiridos e pela experiência profissional?
Enquanto designer, sinto que o público valoriza cada vez mais a experiência e o conhecimento aplicados nas minhas peças. Esse reconhecimento manifesta-se na confiança que depositam em mim para criar soluções personalizadas, na atenção aos detalhes e na exigência na qualidade das peças. Quando uma pessoa se depara com um bom design, sente-se envolvida e percebe que está diante de um produto bem feito, mas não sabe explicar racionalmente o porquê. É algo que vai além da apreciação do belo: a peça adapta-se bem à ergonomia, à escala correcta e à selecção adequada e honesta dos materiais. Por isso, instintivamente, a pessoa cria de imediato uma ligação com o objecto.

Tendo já um percurso de participação em diferentes formatos de promoção do design, nacional e estrangeiro, há nele retorno ou prejuízo?
A minha experiência em feiras e exposições ainda não é muito longa, mas já tive oportunidade de participar em exposições colectivas e individuais, em contexto nacional e internacional. As exposições colectivas permitem participar em feiras com investimento menor, ganhar alguma credibilidade e perceber o mercado sem grandes riscos. Exposições individuais, com expositor próprio destacam mais a marca, mas exigem um investimento obviamente maior e o retorno não é de todo imediato. Na minha opinião as feiras devem ser vistas como investimento em visibilidade, posicionamento e relações, que se consolidam sempre a médio e longo prazo. No exemplo do Salone Satellite, o público reconhece a curadoria e selecção rigorosa das marcas que estão presentes, o que reforça a credibilidade da marca. Por isso, vejo cada feira não apenas como uma oportunidade de vendas, mas como um passo essencial na construção da credibilidade e posicionamento do Studio Silva agora e no futuro.

Há mercado em Portugal para um designer?
Eu sinto que cada vez mais marcas e empresas começam a perceber o valor de contratar um designer ou um estúdio de design. Num mercado tão saturado, é fundamental cada marca ter uma identidade bem definida e conseguir apresentar constantemente novidades e conceitos criativos que respondam às necessidades do mercado. Mas ainda há muitas empresas que não entendem o verdadeiro valor que um designer pode acrescentar. Um bom designer não se deve limitar a idealizar novas peças: ele consegue analisar as mais-valias que a empresa já tem e transformá-las em produtos diferenciados. Por exemplo, se uma fábrica é especialista em curvar metal e tem esse know-how enraizado, faz todo o sentido que a colecção explore essa técnica — como também outras competências que a empresa possua. Isso permite optimizar recursos e dar-lhes valor acrescentado, resultando em peças produzidas com menos custos, de forma mais eficiente, sustentável e tirando o melhor partido daquilo que a empresa já domina. Não faz sentido, em contraponto, criar peças em que a maior parte dos componentes tenham de ser desenvolvidos fora, em empresas subcontratadas. Claro que, para que exista mais mercado para o designer, também é preciso que este se saiba vender e penso que essa é uma dificuldade comum, não só no design, mas noutras áreas. Eu diria que há mercado para o designer em Portugal mas ainda não é uma profissão escalável. Como a cultura do design ainda não está totalmente enraizada nas empresas também não está enraizada a ideia de retribuir de forma justa e proporcional aos resultados. Isto aplica-se tanto a designers contratados por empresas como a freelancers. No caso dos designers-empresários, como eu, que desenvolvem a sua própria marca e colecção e também a comercializam, aí a escalabilidade é naturalmente maior, como acontece em qualquer negócio próprio. Mas isso já são desafios que qualquer empreendedor enfrenta.
O que é bom design para si?
Para mim, um bom design é aquele que consegue equilibrar forma, função e emoção. É criar peças esteticamente apelativas, funcionais no dia-a-dia e que, ao mesmo tempo, despertem uma ligação emocional no utilizador. As escalas e proporções são, para mim, aspectos fundamentais, assim como a escolha certa dos materiais. O respeito pelas propriedades naturais de cada material é algo que aplico sempre nas minhas peças, procurando destacar as suas qualidades intrínsecas e mostrar a sua beleza no estado mais puro. Pessoalmente, gosto muito de trabalhar com a cor real da madeira, valorizando a sua essência única em vez de a esconder com outro tipo de acabamentos artificiais. Se desejo um tom mais escuro, procuro naturalmente uma madeira mais escura.
Eu diria que um bom design é aquele que não precisa de se impôr, a peça fala por si mesma, conquista pela honestidade dos materiais e pelo design intemporal.

Mais informação em https://www.studiosilvadesign.com