Uma dinâmica segura

ENTREVISTA A NUNO MATOS CABRAL, DESIGNER CUJO ATELIER LIDERA HÁ MAIS DE DUAS DÉCADAS E QUE DESDE FEVEREIRO DE 2022 JUNTA O DESAFIO DA DIRECÇÃO CRIATIVA DA MARCA GATO PRETO.

A sustentabilidade é uma filosofia que traz consigo há uns bons anos e a história do Nuno Matos Cabral Studio demonstra todo um caminho de experiência acumulada mais a vontade de concretizar objectivos em novas áreas. Deixa-nos uma visão sobre o design feito em Portugal e o estádio em que se encontram as marcas nacionais. Expressa que ainda há um logo percurso a fazer no que diz respeito ao papel do designer na sociedade.

Nuno Matos Cabral. Fotografia de Daniel Mattar.

Entrevista: Tiago Krusse

Fotografias: Cortesia da Nuno Matos Cabral Studio

Como é que recebeu o convite que lhe foi dirigido para assumir a função da direcção criativa da marca Gato Preto?
Foi com imensa satisfação que recebi o convite. Começou com um namoro, que durou um ano, terminando com um casamento no início de 2022.
Em 2021 colaborei pontualmente com a marca e no ano seguinte assumi a função de head of creativity do Gato Preto. Não podia estar mais entusiasmado com este desafio, de participar na narrativa de uma marca que conta com mais de 36 anos de vida e com lojas físicas em Portugal, Espanha e loja on-line também em França.

O seu percurso profissional trouxe-lhe, certamente, um nível de conhecimentos e um traquejo de experiência acumulada que lhe permitem reflectir melhor sobre novos desafios. Quais são as condições em que gosta de trabalhar e lhe permitem desenvolver as suas ideias?
Procuro sempre trabalhar com marcas que me dêem todas as condições necessárias para que possa desenvolver um trabalho com coerência, que tenha autonomia para poder tomar as decisões necessárias para implementar o que fôr necessário para que os projectos vejam a luz do dia.
Também é absolutamente importante que a sustentabilidade seja um tema e que as equipas estejam sensibilizadas para o mesmo. Sei que há sempre muito a fazer neste campo, mas não o podemos perder de vista.

Onde percebe que estão, neste projecto, as oportunidades para introduzir novas estratégias ou a implementação de diferentes processos de produção?
Não me focando neste projecto em concreto, todos os projectos são organismos vivos que estão sempre em constante mutação e por isso existem sempre novos desafios e novas oportunidades para implementar novos processos e procedimentos.
Há que encontrar no processo criativo as formas e os procedimentos mais adequados a cada um dos projectos. É fundamental manter o que já está a ser bem feito e implementar novos processos para que as linhas de produção onde algumas das engrenagens estão a funcionar menos bem possam evoluir correctamente. Muitas vezes as entropias criadas não são responsabilidade de alguém, são simplesmente derivadas da falta de acção para trazer os projectos para os dias de hoje. É essencial fazer o necessário para que o tal organismo vivo se adeqúe ao tempo e espaço em que está inserido.

“Beehive”, para a Primeira Casa da Rua

A sustentabilidade é um tema e uma filosofia que traz consigo há anos. Em que medida esses valores vão ser importantes neste desafio?
São fundamentais em todas as decisões que dependam de mim, não só neste projecto como em todos onde já estive envolvido ou estarei envolvido. Claro que é importante perceber o contexto do projecto onde estou inserido e perceber quais os passos que fazem sentido adoptar tendo em conta o estádio do projecto. Existem projectos mais maduros onde a implementação é mais complexa e outros onde há tudo por fazer, nomeadamente começar pelo princípio, por mudar mentalidades.

Estará o marketing preparado para perceber a primazia do design?
Não sei se primazia é a palavra, diria que estes dois pilares em qualquer projecto não podem deixar de estar de mãos dadas, especialmente em marcas com design in house, só assim faz sentido, uma vez que ambas podem ser a ignição para inúmeros projectos que podem criar projectos inovadores e diferenciados.

Há responsabilidades acrescidas num trabalho de maior escala?
Num trabalho de grande escala, quando se está no processo de criação, temos um maior número de personas a ter em conta, o que pode, por vezes, criar alguma complexidade na execução do projecto. Mas não é um problema, só estimula ainda mais a criatividade.
A grande responsabilidade é nunca perdermos de vista para quem estamos a criar e quais as suas necessidades.

Que avaliação faz do mercado nacional de produção de mobiliário e de outros produtos para o segmento casa?
A indústria associada à produção de mobiliário teve um crescimento internacional exponencial devido ao design inovador e à qualidade de produção. Já o testemunhei na Maison & Objet, onde já participei com uma marca com quem trabalhava. A procura das marcas portuguesas já não era só motivada pelo preço mas também pelo seu design diferenciado, permitindo um aumento do reconhecimento da produção nacional. No entanto, ainda falta percorrer um longo caminho para que existam grandes editores nacionais, dirigidos por designers e que promovam colaborações com outros designers -tal como já acontece há muito em Itália-, permitindo uma maior diversificação, um design diferenciado, criando valor acrescentado à produção nacional no seu todo, ou seja, criando valor acrescentado para toda a cadeia de produção.

De que forma avalia a importância da comunicação na divulgação dos produtos e das marcas?
Antes da comunicação é fundamental as marcas fazerem o seu trabalho de casa e definirem quem são, para quem trabalham e para onde querem ir. Sem essa estratégia não há comunicação que seja eficaz.
Respondendo à sua questão, sem comunicação o mercado não sabe o que é, o que pretende ser nem tão pouco qual o caminho, tanto da marca como dos produtos, daí o story telling, não só dos produtos mas também das marcas, ser fundamental para comunicar, para dar a conhecer as marcas e os produtos ao receptor da mensagem.

Percebe que os consumidores no mercado nacional estão mais cientes da importância do design?
Acho que sim, podemos constatar que o design exclusivo de uma marca permite-lhe ter produtos que se diferenciem de todas as outras, o que actualmente é uma das questões de maior importância -a diferenciação-. No entanto ainda há um longo percurso a fazer relativamente ao papel do designer na sociedade.
Tenho por hábito fazer a analogia com o chefe de cozinha que há pouco mais de 10 anos não lhe era dado o reconhecimento e o valor devido e que actualmente é visto como verdadeiro artista. Está a chegar a altura desse reconhecimento também ser dado aos designers, que tanto contribuem para o bom nome de Portugal nos mercados internacionais. Agora mesmo foram atribuídos pelo German Design Council 18 distinções para Portugal, o que nos deve deixar a todos orgulhosos. Posso adiantar que o atelier com o meu nome, Nuno Matos Cabral Design Studio, também foi distinguido pelo aparador Metamorphose II. Não podia estar mais orgulhoso.

Quais são as principais diferenças entre um cliente espanhol e um português?
As diferenças não são assim tão díspares quanto isso. Existem hábitos diferentes, por exemplo datas a assinalar como o Natal que é mais forte em Portugal, na semana do 24/25, enquanto que em Espanha a semana mais forte é a dos Reis, semana do 6 de Janeiro.
O mais importante e que une os dois mercados é a importância e qualidade do design diferenciado do produto. Este é, sem dúvida, o elemento comum e transversal aos dois países.

“ODE”, da Vista Alegre, por Nuno Matos Cabral. Produzido para os prémios Women in Tech.

Como olha para objectos, produtos, que não mencionam a sua autoria?
O mais importante é podermos contribuir com produtos que qualquer um de nós queria ter em casa, que tenha uma boa aceitação por parte do mercado. Como designer, saber que dei o meu melhor e que o produto seguiu todo o processo, que foi bem aceite pelo mercado, já é o bastante para me sentir realizado.
É importante salientar que os projectos têm sempre uma equipa que participa activamente na criação de produtos, aliás aproveito para deixar aqui um agradecimento público, não só à equipa que trabalha actualmente comigo, mas a todas as equipas que ao longo de 20 anos trabalharam comigo. Obrigado!

Neste momento quais são os planos principais da marca? Aqueles que mais o empolgam?
Falando exclusivamente do produto, pretendemos continuar a apostar no design in house, em produtos diferenciados, tendo em conta as tendências, queremos estar sempre um passo à frente, nunca esquecendo o ADN da marca e o cliente da marca. Estes são os ingredientes que me mantêm empolgado.

O que há de novo na Gato Preto?
A única coisa que me permito responder é que, em todos os projectos em que participo, procuro sempre implementar procedimentos e processos, não só criativos, mas também que facilitem o trabalho disciplinar e interdisciplinar. De resto, deixo essa avaliação para quem visita as lojas e para quem acompanha o meu trabalho.

Vai continuar com os projectos do seu atelier?
O atelier Nuno Matos Cabral Design Studio, que conta com mais de 22 anos de história, vai continuar o seu percurso, nomeadamente procurando explorar novas áreas.
Ainda há muitos desafios que gostaria de concretizar, nomeadamente projectar uma peça para um auntomóvel, ter um projecto onde o design imersivo e a sustentabilidade estivessem de mãos dadas ou mais projectos na área digital.
O mais importante é que não posso deixar de continuar a contar a história de um estúdio que já trabalhou com várias marcas, nacionais e internacionais, e que acabou de ganhar uma menção honrosa atribuída pelo German Design Council, na categoria de mobiliário de excelência, com o projecto Metamorphose II, que faz parte da nossa colecção de aparadores.

Para si o que é bom design?
O bom design é o design que é intemporal.

O aparador Metamorphose II


Nuno Matos Cabral


Depois de realizar vários projectos de decoração de interiores em Portugal, merecendo o destaque da imprensa nacional, decide rumar a Itália para fazer um mestrado em Design de Interiores no Politécnico de Milão.

Em 2009/2010, ainda em Milão, participou num projecto para o estúdio italiano DeepDesign que consistiu na criação dos interiores de uma exposição apresentada na Triennale di Milano.

Em 2013 decidiu desmistificar todas as regras sobre decoração e dar ideias para transformar as nossas casas através do site Primeira Casa da Rua, cujo mote é “Nada se desperdiça, tudo se transforma”. A sustentabilidade é um dos valores da iniciativa. Torna-se presença assídua nos media, onde fala sobre design e sustentabilidade.

Em 2016 desenha uma peça de mobiliário, produzida para uma marca portuguesa que a lançou na feira Maison & Objet, em Paris, França.

Em 2017 lança as primeiras peças de mobiliário com a assinatura do Nuno Matos Cabral Design Studio.

Em 2018 foi embaixador do artesanato português, em conjunto com a artista plástica Joana Vasconcelos e os designers Nuno Gama e Filipe Faísca, no âmbito da Feira Internacional do Artesanato.

Em 2019 lançou a loja on-line com o nome do site. A sustentabilidade, a reutilização e o Made in Portugal são o mote para todos os produtos e serviços disponíveis em primeiracasadaruastore.com. Em Novembro desenhou o prémio Women in Tech, produzido pela Vista Alegre, tendo continuado com a mesma colaboração em 2020 e 2021.

Em 2020 colaborou com a Bordallo Pinheiro na estilização de vários produtos da marca.

Em 2021 deu início a uma colaboração com o Gato Preto e em 2022 aceitou o desafio para assumir a função de direcção criativa da marca. Ainda em 2021 iniciou um Mestrado em Design para a Sustentabilidade na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

Em 2023 o German Design Council atribui-lhe uma distinção, na categoria de mobiliário de excelência, pelo aparador Metamorphose II.