Revolução alimentar

Entrevista com Christina Hedin, política sueca e licenciada em ciências do ambiente, com trabalho efectuado na preservação de alimentos artesanais e uma actividade no domínio da gastronomia em Östersund, inserida na rede de cidades criativas da UNESCO. Na sua participação no Mês do Design de Graz, na Áustria, a convite das Indústrias Criativas da Estíria, levou consigo o tema Revolução Alimentar. Uma visão política, económica, cultural e social do actual estado das sociedades.

Christina Hedin. Fotografia de Sergio Diaz.

Entrevista de Tiago Krusse

Fotografias: Cortesia de Christina Hedin. Fotografia de abertura, Sergio Diaz.


O que a levou até às ciências do ambiente?

Desde que me lembro que me interesso pela natureza, conservação do ambiente e preocupação com o planeta. Na escola primária criei um grupo para as questões ambientais e até ganhei um prémio do município. Cresci no campo, com os legumes da horta e o gado do nosso vizinho. Já gostava de actividades ao ar livre, como caminhadas na floresta. Quando estava à procura de uma universidade, pesquisava pelas ciências do ambiente, e esse tipo de educação era difícil de encontrar nessa altura. Encontrei uma universidade a 1000 quilómetros da minha casa e por isso mudei-me para Östersund, que actualmente é a minha cidade natal.


A discussão sobre as alterações climáticas continua a ser polarizada, deixando a opinião pública desconfiada dos dados que os cientistas apresentam sobre o tema. Por que é tão difícil apresentar factos claros e inequívocos que atestem um cenário ambiental?

O debate é complicado. Ouvimos os factos mas as emoções e o grupo a que se pertence também são importantes. Temos mais mulheres, eleitores de esquerda, crianças e indígenas de um lado e mais homens, eleitores de direita, do outro lado. Não se quer criticar ou não queremos criticar ou abandonar o nosso grupo, por isso seleccionamos o que ouvimos. O tempo está a mudar e quando os fenómenos climáticos extremos se tornam mais frequentes e mais próximos da nossa casa. As pessoas estão a ficar mais convencidas de que as alterações climáticas estão a acontecer e agora são muito poucas as que as negam totalmente. A verdade é também muito difícil de compreender para nós, humanos. Os cérebros humanos ainda estão desenvolvidos para uma vida na savana, onde era deveras essencial reagir quando um ramo de árvore em chamas caía à nossa frente. Mas não desenvolvemos capacidades para compreender o que vai acontecer daqui a cem anos noutro lugar, muito distante de nós.


Perante os factos do Homem continuar a desgastar os recursos naturais do planeta, a subida do nível do mar, fenómenos climáticos extremos e mudanças drásticas no solo e nos oceanos, o que podemos fazer para preservar o que resta da natureza?

Os seres humanos podem ser extraordinariamente bons a cooperar e essa é a única maneira de resolver este problema. Quanto temos uma ameaça, ou lutamos ou colocamos todos os nossos esforços para resolver o problema. Durante a pandemia mantivemos a distância e tomámos a vacina, essencialmente não para nos protegermos em primeiro lugar mas sobretudo pensando em proteger aqueles mais vulneráveis e que iriam morrer da acção do vírus. Durante a pandemia trabalhámos em conjunto e mudámos a nossa sociedade num período de tempo muito curto. Se fizermos o mesmo agora com as questões ambientais ainda podemos proteger bastante. Mas o outro lado do ser humano é o facto de podermos ser bastante egoístas e atraídos pelo dinheiro. A maioria das pessoas pensa que os humanos estão acima da natureza e dos animais, que não há problema em utilizar mais terra natural mesmo que isso signifique que os animais percam o seu habitat. Estamos a explorar a natureza até que a última árvore ou o último peixe desapareçam. É fácil compreendermos que se pescarmos de forma sustentável o poderemos fazer amanhã mas, mesmo assim, não levamos os alarmes a sério. Se eu não maximizar a minha captura de peixe alguém o fará. E eu gosto de pescar o máximo possível hoje pois não sei o que vai acontecer amanhã.
Os humanos também têm problemas em compreender o quadro completo, vendo apenas a nossa pequena parte. Também desculpamos a nossa forma de pensar e dizemos que as outras pessoas são piores e que as minhas emissões não são nada quando comparadas a grandes empresas ou outros países. É fácil perder a esperança e daí que utilidade poderá ter o preocuparmo-nos com assuntos em relação aos quais não podemos fazer nada?! Fechamos os olhos e não queremos ver as consequências dos nossos actos.

Christina Hedin participando como convidada do Mês do Design de Graz, representado a Cidade Criativa da Gastronomia de Östersund.

Quais são as formas mais directas de criar mudanças comportamentais nos seres humanos que lhes permitam contribuir para uma redução drástica da sua pegada ecológica à escala planetária? 

Numa escala pequena pode ser fácil e conveniente fazer a escolha ambiental. Se houver uma linha de bicicletas mesmo à porta de casa e fôr mais rápido ir a pedalar para o trabalho, aí é mais fácil fazer essa escolha. Se houver possibilidades fiáveis e decentes de viajar de comboio, as pessoas irão escolhê-lo, na maioria dos casos, em vez de voos. Na Noruega os carros eléctricos têm menos impostos e outros benefícios, assim as pessoas estão a comprá-los. As pequenas escolhas que fazemos no dia-a-dia podem ter um grande impacto.
Enquanto as companhias aéreas e tudo o resto de negócio que está ligado aos combustíveis fósseis forem subsidiados, os consumidores usá-los-ão mais do que deveriam sem subsídios. À escala global precisamos também de uma maior redução do dióxido de carbono e, nesse caso, temos de proibir o carvão e não pedir a cada indivíduo que faça uma escolha sustentável. É difícil para cada indivíduo alterar o sistema eléctrico do seu país e ainda mais difícil saber se os produtos fabricados na China são feitos com electricidade produzida a carvão. E não sabemos que tipo de energia é utilizada quando fazemos uma pesquisa no Google ou vemos um filme pela rede. A chave para fazer com que as pessoas mudem o seu comportamento é a informação mas isso não é suficiente. É quando vemos que a crise está mais próxima de nós que começamos a usar os nossos conhecimentos. Tememos que o nosso sítio preferido possa ser destruído e por causa disso reconhecemos que é altura de reagir. Além disso, os nossos filhos são importantes pois queremos que eles e os nossos netos tenham uma vida em harmonia, sabendo que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance em prol deles. É também importante sentir que não estamos sozinhos, quando temos amigos, colegas ou familiares que também fazem uma mudança. Depois é mais fácil dar um passo em frente.
Desde a guerra na Ucrânia muitos países aumentaram o montante de dinheiro em actividades militares. Isso não está a ajudar em nada o planeta. As actividades militares matam pessoas e destroem a natureza durante muito tempo, produzindo muito dióxido de carbono.

Levou o tema Revolução Alimentar à edição deste ano do Mês do Design de Graz. Como é que surgiu esta oportunidade de divulgar o tema e o que entende por revolução alimentar?

Tanto Graz como a minha cidade natal, Östersund, fazem parte da rede de Cidades Criativas da UNESCO. Graz no domínio do Design e Östersund no da Gastronomia. Em muitos encontros aproveito a oportunidade para falar sobre alimentação sustentável, tanto no palco como, muitas vezes, em conversas com pessoas. O Karl Stocker, de Graz, ouviu o meu interesse especial pela produção alimentar e convidou-me para ir ao Mês do Design de Graz.
Para mim a revolução alimentar é a necessidade urgente de uma mudança na produção alimentar. Da forma como estamos a produzir alimentos estamos a destruir o meio ambiente, o planeta, e isso levará a que haja menos alimentos no futuro. Pesticidas, exploração excessiva dos recursos hídricos, formas cruéis de tratar dos animais, a pesca intensiva – não é uma agricultura para o futuro. Temos de encontrar uma forma mais sustentável de agricultura e muito rapidamente. Uma revolução alimentar!

Existem modelos e experiências práticas que possam ser implementados em diferentes regiões do mundo? Como podem ser executados?

No domínio da produção alimentar sustentável a rede de Cidades Criativas da UNESCO é uma plataforma interessante. Isto deve-se ao facto de todas as cidades da rede trabalharem com os objectivos de desenvolvimento sustentável da ONU, de diferentes formas. As Cidades da Gastronomia também destacam os alimentos da região e fazem disso uma atracção turística. Destacar, comprar e comer produtos locais é um modelo que pode ser implementado em muitas regiões diferentes.
Em todo o mundo o que está em causa é o respeito pelas pessoas e pela natureza. Isso pode sempre ser feito em todos os sítios. O que também podemos fazer é preocuparmo-nos com as tradições locais. Isso não significa que não possamos desenvolver. As tradições são como uma fogueira, precisas de colocar novos troncos para manter o fogo aceso.

Por outro lado há maus exemplos que entram na equação e se tornam obstáculos à necessidade de mudança. Há quem afirma que os supermercados são a pior coisa que aconteceu e o impacto negativo que têm na economia. Como avalia o seu impacto nas nossas vidas?

Responsabilizar apenas um actor do mercado é sempre difícil uma vez que todos fazemos parte de um sistema económico em que somo apenas elos diferentes. Os supermercados oferecem alimentos a baixo preço de uma forma conveniente para os consumidores. Os consumidores não precisam de se deslocar a vários locais para encontrar os produtos, o que lhes facilita as coisas. E como a facilidade é cómodo é melhor classificado pelos consumidores do que o melhor e a melhor qualidade. Os supermercados têm uma vantagem.
Pode pensar-se que existe uma grande variedade de produtos diferentes nos supermercados mas, ainda assim, existem apenas cinco produtos principais, com muitas variedades e embalagens diferentes. Na maioria dos produtos encontra milho, arroz, soja, açúcar ou óleo de palma.
Os supermercados são uma verdadeira luta para os pequenos produtores de alimentos uma vez que eles não podem provar que os seus produtos têm melhor sabor e qualidade superior. E o agricultor não pode mostrar que os seus animais são tratados com respeito, sem hormonas ou antibióticos. No supermercado só se vê o preço e a embalagem. Um pequeno produtor pode ter um preço mais elevado porque a qualidade é maior e pode não ter uma embalagem tão sofisticada como a de uma grande empresa com pessoal dedicado ao marketing. Para os pequenos produtores a alternativa pode passar por encontrar outras formas de vender os seus produtos, como o Facebook ou mercados, mercados de agricultores ou lojas nas quintas. Tudo isto sem esquecer que os supermercados detêm uma grande percentagem do mercado.
É um problema o facto dos agricultores de diferentes países terem diferentes legislações mas vendam no mesmo mercado. Por conseguinte, o preço é comparado mas não a qualidade, o bem-estar dos animais, a utilização de pesticidas ou antibióticos. As escolas e outras instituições oficiais precisam de comprar alimentos ao preço mais baixo e não podem comprar produtos locais só porque são locais. Isto significa que as escolas servem alimentos cujas produções seriam ilegais na Suécia, uma vez que é permitido importar alimentos com outras regras.
A solução não é tornar a legislação mais fácil para os agricultores pois isso apenas conduzirá a uma situação pior para eles e para a natureza. A solução é que não deve ser economicamente favorável destruir a natureza ou a vida das pessoas.
Não coloco a culpa todo nos supermercados mas precisamos de ter uma legislação adequada que não permita que os produtos ilegais sobrecarreguem o mercado. Também precisamos de apoiar os agricultores e facilitar-lhes a vida. Sem agricultores morremos muito rapidamente uma vez que muitos poucos de nós conseguem cultivar comida suficiente para seu próprio benefício ou caçar na floresta.

Raramente se fala do tema sobrepopulação. Por que razão é ainda um tabu e quais são as suas ideias sobre o assunto?

Os recursos do planeta são limitados e nenhuma população ou crescimento económico podem crescer para sempre. Mas o problema é mais complexo do que o facto de mais pessoas levarem a mais problemas, uma vez que as pegadas ecológicas são muito maiores para cada pessoa rica e muito pequenas para as pessoas que são pobres. Assim, o mundo tem uma sobrepopulação de pessoas ricas que consomem mais do que o planeta pode produzir. Se gostarmos de criticar a sobrepopulação temos de criticar os ricos e a distribuição dos recursos. Como muita gente quer enriquecer e ficar rica, não queremos criticar o nosso sonho.
Também temos exemplos em que o estado planeou o número de filhos que cada família pôde ter e isso foi muito difícil de aceitar pela população uma vez que é uma questão tão pessoal de quantos filhos gostaríamos de ter e quando nas nossas vidas.
O crescimento da população está a abrandar no mundo. Na maioria dos países as famílias têm menos filhos quando a pobreza extrema é reduzida, as raparigas podem ir à escola e quando os contraceptivos são facilmente acessíveis. Actualmente a geração mais nova pensa que é demasiado caro ter muitos filhos e que não é fácil conciliar com uma carreira profissional. Neste momento há muitos países que estão preocupados com a baixa taxa de fertilidade e que será dispendioso para a geração mais jovem cuidar dos idosos.
Hoje em dia estamos a trabalhar de forma muito irracional com a sobrepopulação, a nossa solução não é ajudar as pessoas necessitadas, preferimos deixá-las morrer numa guerra ou num barco no Mediterrâneo. Distribuir os recursos que temos e proporcionar uma boa vida ao maior número possível de pessoas seria uma forma mais decente para lidar com o excesso de população. Uma certa solidariedade básica deveria ser natural.

É necessária uma mudança para inverter os danos que estamos a causar ao meio ambiente. É necessário adoptar novos regulamentos. Mas quem são os reguladores e as pessoas envolvidas na tomada de decisões?

No mundo democrático escolhemos os líderes que nos dão uma resposta fácil a questões complicadas, e eles certificam-se de que serão reeleitos. Na Europa muitos dos partidos que não se preocupam com o clima e a natureza aumentaram o seu poder e os partidos que chamam a atenção para as questões climáticas são ridicularizados e hostilizados.
Uma mudança grande na sociedade que possa deixar as pessoas zangadas e causar grandes protestos pode desestabilizar o país, pelo que os líderes tentam evitar isso. Por exemplo, os preços elevados da gasolina e do gasóleo podem provocar grandes protestos nas ruas. Se os líderes dos países democráticos não se atrevem a efectuar as mudanças suficientes para salvar o clima, será que os não democráticos estão a fazer melhor? A resposta é não. Os países com regimes autoritários fazem muito menos pela natureza, pelas pessoas e pelo combate às alterações climáticas. Continuam a preocupar-se apenas em manter o poder.
Li um livro sobre alterações climáticas a que já assistimos na Suécia hoje. Os efeitos ainda são ligeiros em comparação com outros países. Alguns incêndios florestais, secas e inundações mas que não mataram pessoas como em muitos outros países. Vemos mudanças na vegetação, a neve e o gelo estão a mudar e as pessoas que dependem da natureza vêem as diferenças, como os povos indígenas e os agricultores. Mas todos os cientistas com quem o autor do livro falou não estavam preocupados com a vegetação mas sim com o sistema democrático. Seremos capazes de lidar com a migração, proteger as nossas instituições democráticas ou será que vamos entregar o poder a políticos autoritários e começar a lutar pelos recursos?
Em todos os países somos também governados pela estrutura económica. As grandes empresas certificam-se de que os líderes políticos fazem as regras que lhes agradam. Uma empresa pode ter um volume de negócios maior do que um país inteiro. E todos os líderes tentam atrair as empresas, uma vez que estas proporcionam empregos e dinheiro dos impostos. Estas instituições não são democráticas, onde podemos ver o que se está a passar e votar em novos líderes. E as empresas preocupam-se com o lucro a curto prazo e não com a solidariedade, com o planeta ou com as pessoas. As empresas podem preocupar-se com o planeta ou com as pessoas se julgarem que isso vai aumentar o seu lucro.

Como é que o investimento na educação, tendo em conta os nossos hábitos de consumo alimentar, poderá produzir resultados no terreno?

É fácil dizer que as escolas devem educar em todas as coisas diferentes e resolver todos os problemas que temos na sociedade. Vemos as escolas como uma solução fácil para muitos problemas. Devíamos começar cedo, já na escola primária, com uma série de questões, alterações climáticas, como gerir uma empresa, saúde mental e por aí fora. Mesmo que as escolas não consigam resolver todos os nossos problemas, elas são uma peça importante do puzzle. É importante aprender na escola o que é necessário saber para sobreviver no mundo. E as alterações climáticas e a produção de alimentos são dois elementos essenciais de que precisamos para desenvolver o nosso conhecimento no mundo actual. E não podemos depositar a nossa confiança apenas nas crianças e pensar que elas resolverão estes problemas no futuro. Nós, os adultos, precisamos de assumir a nossa responsabilidade para que as crianças tenham uma hipótese de ter um futuro. As crianças também aprendem com os adultos e não apenas na escolas, por isso, se pudermos ser melhores modelos, elas terão um futuro pelo qual ansiar.

Os estudos económicos dizem-nos que a gastronomia e a comida dão poder e criatividade às cidades. O que é que viu na sua viagem ligada às Cidades da Gastronomia da UNESCO?

Se começar a fazer perguntas a uma pessoa que acabou de conhecer sobre a comida da sua região muitas das vezes isso motiva uma conversa muito interessante. As pessoas ficam mais felizes por falar sobre a comida da região mesmo que não trabalhem nesse sector. A comida é uma grande parte da nossa identidade, da nossa cultura e da ligação à nossa cidade. Isto continua a ser verdade mesmo quando importamos e exportamos alimentos para todos o mundo.
Nas reuniões das Cidades Criativas da UNESCO houve vários intercâmbios de chefes de cozinha e é espantoso ver a rapidez com que se ligam independentemente da língua que falam. Numa das reuniões houve também uma visita especial para padeiros, onde puderam aprender uns com os outros. É uma alegria pura quando vemos que as pessoas se relacionam umas com as outras devido ao seu interesse comum.
Muitas das cidades da gastronomia têm a UNESCO a trabalhar em estreita relação às actividades turísticas, para destacar a sua comida específica e cada uma delas orgulha-se das suas especialidades e dos seus festivais gastronómicos. As cidades gastronómicas não são apenas festivais de comida e actividades turísticas. É uma iniciativa que também trata de cuidar do planeta, dar comida aos aos pobres, agricultura sustentável, desperdício alimentar, redução do carvão nos restaurantes e educar as crianças para a alimentação local.

A atenção e a publicidade dedicadas à ecologia, à produção alimentar e à economia circular ultrapassou os laboratórios e os seminários?

Preocupar-se com os alimentos, a natureza e o bem-estar dos animais não é uma questão nova. Na Suécia a organização orgânica começou há quase 40 anos. Desde então, tem pressionado os agricultores convencionais e a opinião pública numa direcção com melhor bem-estar animal e menos tóxicos na agricultura. Com o boom económico, o debate sobre alterações climáticas, as questões ambientais e os escândalos nas explorações agrícolas convencionais, muitas pessoas encontraram comida orgânica de pequena escala. As pessoas começaram a pagar mais por comida de qualidade, pelo menos aos fins de semana ou numa festa! A tendência de não comer carne também está a crescer rapidamente em muitos países. No entanto, não está distribuída de forma homogénea na sociedade. Mulheres e jovens são mais vegetarianos, pessoas idosas e homens comem mais carne. Muitas das pessoas que comem carne vêem o vegetarianismo como um insulto e ficam zangadas com estes activistas do clima. Esta polarização, que foi mencionada no início das perguntas, é óbvia quando olhamos para a comida que as pessoas estão a comer.
Nos últimos anos, desde que a guerra na Ucrânia começou e a inflação tem estado nas notícias todos os dias, as coisas mudaram. A venda de produtos biológicos, de pequena escala e alta qualidade, diminui rapidamente. A qualidade, o bem-estar dos animais e as alterações climáticas deixaram de ser importantes quando há uma guerra e quando os preços sobem.

Para si quais são as principais mudanças de comportamento que podem iniciar um processo de evolução na questão ambiental?

Para mim a pandemia deu-me alguma esperança. O mundo inteiro fez uma mudança drástica num período de tempo muito curto. Na Suécia vimos que havia problemas de saúde na China. Muito poucas pessoas se preocuparam com isso e continuaram as suas vidas normalmente. Depois a doença chegou a Itália. Isso é muito mais perto mas ainda muito longe. Não há indícios que venha a afectar a Suécia por isso não temos de fazer muito. Algumas pessoas começaram a fazer planos mas a maioria continuou a viajar e a levar uma vida normal. Depois o Covid chegou à Suécia e toda a população entrou em pânico e numa semana tudo mudou. As pessoas começaram a comprar papel higiénico e outras coisas sem importância. Passado algum tempo, as pessoas saíram do ataque de pânico e começaram a planear e a reconstruir a sociedade com recomendações de viagens e actividades sociais. Toda a gente fez mudanças nas suas vidas.
Quando é que vamos correr e comprar papel higiénico para as alterações climáticas? Será que ainda estamos na China, ignorando totalmente o problema, ou já chegou a Itália, quando algumas pessoas estão a tentar dizer que em breve teremos um problema e que precisamos de tomar conta dele? É claro que o problema está a aproximar-se cada vez mais de todos. O clima está a mudar e assistimos a acontecimentos catastróficos em todo o planeta. As pessoas estão a morrer por causa de tempestades, calor, inundações e incêndios. Portanto, a doença já chegou ao nosso país ou o ramo que está a arder já caiu à nossa frente. E quando sentimos que as catástrofes ambientais estão a aproximar-se, começamos a agir com mais entusiasmo. Não temos de esperar que toda a gente se preocupe com o clima até vermos uma mudança, basta contar cerca de 25 a 30% da população para ter suficiente poder para produzir uma mudança.
Penso que o que realmente precisamos é de minimizar o fosso entre os ambientalistas e os outros. Cuidar do planeta não deve ser algo bonito, algo feminino algo para mulheres e crianças. Tem de atrair as pessoas mais inteligentes do mundo, as pessoas tecnicamente mais avançadas e as que estão a trabalhar actualmente na área militar. Precisamos de mentes brilhantes para podermos resolver a maior questão para a Humanidade. Podemos atrair essas pessoas para a batalha das alterações climáticas.

O que é que ainda estamos a tempo de corrigir?

Enquanto houver vida há esperança! Mesmo que não consigamos salvar tudo, cada coisa que fazemos é importante. Um homem estava na praia, depois de uma tempestade, e devolvia as estrelas-do-mar ao oceano. Outra pessoa passou e perguntou-lhe porque estava a fazer aquilo, dizendo -não importa, não interessa porque não as podes salvar a todas. Mas o homem respondeu – para esta interessa- Devolvendo outra ao mar.
“Podemos escolher entre a acção colectiva ou o suicídio colectivo. Está nas nossas mãos.” Cito a frase de António Guterres, Secretário-Geral da ONU.

Fotografia de Åre Remén.

Christina Hedin


Christina Hedin trabalha há 15 anos para o Centro Nacional Sueco de Alimentos Artesanais. Atualmente, é líder local de trabalho político na cidade de Östersund, na Suécia.

Christina está envolvida no trabalho das cidades criativas da UNESCO desde 2015 e foi presidente do grupo, assumindo a direcção do 10º Encontro Anual da rede de Cidades Criativas da UNESCO em Östersund, em 2016.

Em todos os trabalhos e cargos que desempenhou, centrou-se sempre em questões ambientais e no desenvolvimento de alimentos locais e orgânicos.

É licenciada em Ciências Ambientais pela Universidade de Mid Sweden.