Identidade única
O livro Arquipélago levou-nos até Ricardo Lopes, o autor desta epopeia fotográfica aos Açores, que define a razão maior desta realização e aborda todas as afinidades que contribuem para a grandiosidade da obra. Um olhar apaixonado que nos deixa para compreensão o imaginário açorenho e um apelo à sensibilidade perante a beleza do território.
Entrevista de Tiago Krusse
Fotografias de abertura por Gabriel Rosa e as outras são uma cortesia da editora Written by Light
O que de mais profundo lhe tocou para dedicar aos Açores um trabalho de comprometimento de cinco anos e com um requinte tão apurado no nível gráfico desta obra fotográfica?
Existe de facto um eco de profundidade em tudo o que me moveu, como que um chamamento. Para mim, os Açores representam o que de mais sublime a natureza tem para nos oferecer: a genuinidade e a pureza. O perfume da terra, o toque húmido do mar a comunhão com a natureza. Tudo me apaixonou e fez com que quisesse homenagear, da melhor forma que sei, este território, ou seja, através da imagem. O cuidado a nível gráfico é uma questão inerente ao cuidado da selecção fotográfica. Quisemos que tudo tivesse uma razão de ser, uma reflexão por detrás de cada decisão, um motivo para fazer melhor.
Quem é que estava a olhar pelo visor mágico?
Nasci em Lisboa e vive quase toda a minha na metrópole. Tive uma incursão por Paris, Florença e pelo Porto, por isso, grande parte da minha vida foi vivida em grandes urbes. Porém, é na natureza que me sinto em harmonia comigo próprio. Os Açores são essa espécie de refúgio, de reencontro e, ao mesmo tempo, de equilíbrio. Nunca houve uma só vez, durante estes cinco anos, que viajasse para os Açores sem levar o tal “visor mágico”, pois as paisagens que conheço já com algum nível de intimidade, têm sempre algo de novo a revelar. Dependem da estação do ano, da hora do dia, do anticiclone ou até, simplesmente, do meu olhar naquele instante. Uma permanente descoberta que mantém-me atento, curioso, mas com uma enorme humildade. Os Açores são também isso: a humildade perante a natureza.
Como definiu os momentos que iriam integrar esta memória?
Não foi fácil e talvez essa tenha sito a tarefa mais complexa de todo o processo. Parti de uma base de cerca de 100 000 imagens captadas. Não sabia por onde começar, por isso fui fazendo selecções dentro da selecção. Fui trabalhando por temáticas, por épocas do ano, por ilhas, territórios, até que cheguei às tonalidades, agrupando e organizando a selecção fotográfica por cores. Esta decisão ditou o pormenor gráfico e todos os detalhes de design e pós-produção. O livro Arquipélago passou a tratar um território, ou seja, este conjunto de nove ilhas com um todo e não, ilha a ilha. Apesar de cada ilha ter uma identidade muito própria, o que lhes dita a essência, a meu ver, é a sua característica enquanto conjunto ou grupo. E foi esta identidade única que quis transmitir através da escolha fotográfica.
No seu olhar para o grupo de ilhas onde sentiu que os lugares e os momentos em que os captou eram aqueles que estavam em sintonia com os propósitos traçados para este livro?
Creio que foi na tal profundidade que nos liga ao lado genuíno dos lugares, das tradições ou os saber-fazer, da cultura e do próprio território. A minha principal preocupação foi a de ser genuíno para que também a minha obra o pudesse ser. Tão genuína e pura como o são os próprios Açores. Foi intencional a captura da realidade pela realidade, a não encenação, o cuidado algo puritano do tratamento da imagem. Houve algo de instintivo, de sentimental que ditou cada momento capturado. Foi assim que esta obra foi idealizada, com sentimento, com amor!
Quando é que começou a seleccionar as fotografias e como é que foi passar por esse processo?
Já referi que parti de um espólio imenso e, confesso, que ainda hoje sinto alguma ansiedade quando penso em todo o processo de selecção. Foi quase uma catarse ou uma percepção telúrica da missão que tinha pela frente e, na realidade, o grosso do trabalho foi um processo solitário. A quem poderia ter a desfaçatez de pedir tal ajuda? Foi difícil começar e definir o que excluir em detrimento do que manter. Demorou muitos meses, quase um ano a concluir e a chegar a uma selecção definitiva de 222 fotografias que integram a obra final. Já num estádio mais avançado, pude contar com a ajuda e opinião de algumas pessoas, nas quais incluo a minha mulher Inês, mas foi um processo inicial solitário, mas essencial.
Como surgiu a ideia de complementar à força das fotografias o design gráfico do José Mendes? Com funcionou a parceria?
O José é, atualmente, um amigo. É um excelente profissional a quem, acima de tudo, agradeço o voto de confiança neste projeto. Acreditou tanto quanto nós e foi muito enriquecedor trabalhar com ele, pois existe sempre uma razão pensada e refletida para as opções tomadas. Coloca intelectualidade no processo criativo e isso agrada-me particularmente, pois agrega significado e sentido.
Tenho, porém, que aproveitar esta ocasião para expressar a minha gratidão a tantas outras pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a concretização deste livro e às quais agradeço individualmente, uma por uma, na última página do livro. Entre açorianos e continentais, amigos de longa data e alguns mais recentes, familiares e colegas de profissão, todos foram essenciais para que o livro Arquipélago fosse tão especial quanto creio que é. Há, porém, uma pessoa que se destaca e, por isso, o meu profundo agradecimento é dirigido ao Luís Nunes, sem o qual esta obra nunca teria sido possível de concretizar!
Um trabalho desta amplitude teria de estar igualmente focado nas fases todas de impressão, à reunião dos cadernos e aos acabamentos do volume. Que aspectos foram tidos em conta e que detalhes marcam a qualidade gráfica da obra?
O livro Arquipélago foi integralmente produzido em Portugal, manualmente, com o melhor algodão e papéis requintados pela M2 Artes Gráficas, uma gráfica familiar com quem colaboro há muitos anos e cujo trabalho é exemplar a tantos níveis. O acompanhamento personalizado, a escolha dos melhores materiais e a dedicação dos seus artesãos experientes que cumprem com vários anos detradição, excelência e refinamento, contribuíram para que este livro fosse executado de forma tão especial e cuidada. Desde que o livro entrou em gráfica para produção, a entreajuda de toda a equipa, mas sobretudo o seu apoio e nível de compromisso, fizeram deste projecto aquilo que ele é hoje: um livro que também se destaca pela sua arte final e requinte de acabamentos.
Por que conjunto de razões sentiu que este era o momento para propor ao público este tema e com tão alto grau de envolvimento?
Acho que foi uma espécie de apelo que surgiu, em parte, no pós-pandemia. A força veio da motivação que muitos amigos açorianos, que tive o privilégio de fazer ao longo destes cinco anos, me transmitiram. Os açorianos são assim mesmo, generosos na sua essência e senti que lhes devia uma homenagem sentida, dedicada e séria. Não tinha outra forma de lhes agradecer a confiança e a amizade.
Sente que é um livro de um viajante ou de uma viagem de um apaixonado pelo arquipélago? Ou é outro tipo impressão sobre os lugares que forma esse todo que o maravilha?
Esta é uma boa questão à qual, sinceramente, não sei bem o que responder. Sei que é um livro de fotografia que facilmente pode ser categorizado nos livros de viagem. Porém, eu creio que o mesmo revela um registo de proximidade e intimidade numa espécie de viagem muito mais sensorial do que simbólica… por isso talvez seja também um livro de um apaixonado pelo arquipélago.
A sensibilidade para estruturar um projecto desta envergadura tem um Pensamento profundo associado. Expressa o desejo que “todos aqueles que visitam os Açores tenham consciência da importância de manter intacta a autenticidade deste território.” Será esse desejo possível numa época de descaracterização generalizada?
Outra questão interessante, mas de resposta difícil. Penso honestamente que a humanidade anda carecida de reflexão ou, como bem diz, de pensamento profundo. Vivemos tempos frívolos, de consumo imediato e de falta de consciência cívica. Como bem disse, desejo profundamente (mesmo não sabendo se será possível) que todos os que visitarem os Açores sejam capazes de percepcionar o território e compreender o quanto especial é este conjunto de ilhas associado ao ecossistema marítimo que lhe serve de casa, e, através dessa mesma percepção, sejam capazes de o respeitar e preservar. A falta de responsabilidade ambiental e cívica está a colocar a vida selvagem e, por inerência, a nossa própria vida em risco e isto é no mínimo incompreensível e inaceitável. Com o livro Arquipélago quis perpetuar a beleza avassaladora e a enorme riqueza natural dos Açores e, ao mesmo tempo, sensibilizar para a enorme responsabilidade que todos temos na sua proteção e conservação.
Há alguma fotografia para a produção deste trabalho que se tenha arrependido de a ter deixado de fora?
Haveriam sempre outras hipóteses ou possibilidades, mas estou honestamente satisfeito com a selecção final realizada.
Como define os Açores?
Ímpares, e por isso, incomparáveis
Sobre o Design:
José Mendes é designer gráfico independente. Foi co-fundador do atelier MAGA. Tem colaborado com a Solid Dogma, no seu percurso desenvolveu projectos na Ivity Brand Corp, Mola Ativism, Brandia, NovoDesign e BBDO Portugal. O seu trabalho tem sido reconhecido com diversos prémios e em várias publicações nacionais e estrangeiras.
Sobre o Livro:
O livro está organizado por cores, com separadores que revelam um pormenor fotográfico e registam os tons marcantes das fotografias. Foram usados vários tipos de papéis e técnicas de impressão. A estampagem, encadernação e finalização ficou a cargo da M2, Artes Gráficas. O tipo de letra dos títulos foi desenhado em exclusivo para o livro.
Título: Arquipélago
Formato: Capa dura em tecido estampado
Páginas: 296
Fotografias: 220
Idiomas: Português e Inglês
Papel: 4 tipos de papel
Encadernação: Manual
Impressão: Portugal
Dimensões: L 23.2 x A 31 x E 3.3 cm
Peso: 2.3 Kg
ISBN: 978-989-33-4849-9
Data de lançamento: Outubro, 2023