Boris Bandyopadhyay
A partir de um banco minimalista chamado Andaluz, que Boris Bandyopadhyay apresentou na última edição da Berlin Design Week, chega-se até uma conversa sobre multiculturalismo, responsabilidades sociais e perspectivas de design. Moldando memórias.
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Entrevista por Tiago Krusse
Fotografias: Cortesia de Boris Bandyopadhyay

O que o levou à concepção do Andaluz?
Fui contratado para projectar um spa enraizado na cultura Hammam. Como estava localizado no norte da Europa, combinei materiais locais, como o pinho e a cortiça, adicionando elementos de design oriental — arcos pontiagudos, curvas suaves e azulejos geométricos. Assim que o espaço foi concebido, percebi que precisava de algo mais, uma peça que pudesse realmente conectar essas culturas. Foi nesse momento que surgiu a ideia para o Andaluz.
A Andaluzia é uma das províncias espanholas mais ricas do ponto de vista cultural, especialmente devido aos tesouros artísticos do período da grande dominação árabe. Que emoções foram sintetizadas no produto?
Pela primeira vez no continente europeu, a cultura e a arquitectura árabe e muçulmana desenvolveram um rico legado na Andaluzia após o século VIII d.C., iniciando-se aí uma mistura de culturas cristã, judaica e muçulmana. Aqui, os europeus experimentaram pela primeira vez – e muito antes das cruzadas – a arquitectura árabe muçulmana com seus elementos característicos, como os enormes arcos pontiagudos e os padrões matemáticos desenvolvidos para ornamentos de parede, azulejos e revestimentos de piso. Isso é entendido como um dos grandes impactos para o desenvolvimento da arquitectura gótica que, pela primeira vez, ousou abrir paredes de igrejas integrando enormes janelas em forma de arco pontiagudo, a fim de seguir a doutrina gótica e a valorização da luz como fonte de inspiração religiosa. O banco e a mesa lateral Andaluz são inspirados na elegância de uma abertura em forma de arco pontiagudo e, onde os quatro elementos do Andaluz se unem, forma-se uma cruz. Depende do ponto de vista qual o elemento que ganha mais destaque mas, de qualquer forma, no Andaluz ambos os elementos se unem e foi isso que me emocionou: um objecto como ponte entre culturas.

O que define o seu trabalho? É o indivíduo e suas idiossincrasias ou o designer como profissional?
É difícil dizer o que define o meu trabalho porque cada projecto de design de interiores ou o design de objectos especiais surge como uma luta entre situações arquitectónicas muito específicas, pessoas para quem os espaços são desenvolvidos ou utilizadores para os quais certos objectos devem trazer função, alegria e inspiração. Dito isso, eu diria que é o designer como profissional, quando se trata de desenvolver designs específicos para o local, bem como centrados no utilizador, mas principalmente em projectos de interiores há preferências individuais ou proibições que também influenciam os meus projectos. Para mim, as condições arquitetónicas, a situação da luz, até mesmo a orientação celeste e as associações e memórias que certas cores, padrões, formas e materiais carregam devido à sua história e contexto cultural, são grandes influenciadores que, de certa forma, falam comigo como clientes e utilizadores.
Onde o trabalho artesanal ganha mais valor quando comparado aos produtos produzidos em massa e aos processos industriais?
É sobre a imperfeição, os traços do feito à mão e a luta do trabalho manual pela perfeição com uma noção do valor do imperfeito como numa atitude wabi sabi, onde a imperfeição em superfícies e formas é valorizada como parte integrante do design que adora a natureza. O trabalho artesanal ganha mais valor em comparação com objectos produzidos em massa, ele tem materiais naturais como a madeira, a pedra, a argila, o vidro ou o metal forjado, assim como as propriedades naturais do material como as superfícies irregulares, as estruturas de grãos de madeira, etc., tudo isso precisa de ser respeitado em termos de trabalho com as propriedades específicas do material ao invés de trabalharmos contra elas. Somente produtos artesanais podem reagir a materiais em constante mudança como os mencionados, enquanto produtos em massa não podem adaptar-se devido ao processo de produção industrial. Há superfícies tácteis e imperfeições valorizadas, bem como traços de trabalho artesanal, tornando os produtos mais atraentes ao tacto e, portanto, produzindo um desejo de acariciá-los e tocá-los. Essa dimensão táctil cria uma sensação de proximidade e leva a uma relação mais próxima com aqueles objectos artesanais que mostram individualidade como nós.
Quando começou a projectar o Andaluz e quais os desafios que foram superados?
O processo começou em 2023 e passou por muitas experiências com diferentes madeiras, pedras naturais e até mesmo materiais de betão. O desafio era, por um lado, que cada peça fosse feita de um bloco enorme de madeira que terminava num pé de dimensões muito pequenas (3×3 cm) e, portanto, sempre tendia a dobrar para dentro ou quebrar quando falamos sobre as versões de pedra natural e betão. Assim, encontrar a curvatura correcta e o menor diâmetro de corte foi um grande desafio. A outra parte desafiante foi especialmente a versão em carvalho preto, onde usámos uma técnica muito antiga de escurecimento da madeira de carvalho, um processo natural, mas devido às propriedades do bloco de madeira maciço, ele racha com o tempo, devido à secagem. Então, para encontrar o momento certo para escurecer a madeira durante o processo de secagem, tivemos que realizar vários testes e esperar meses. Aliás, essa é a razão pela qual a versão preta do Andaluz passa por um processo de fabricação completamente diferente e tem um preço mais alto do que a versão em carvalho natural ou pigmentado de branco.

Como podem os aspectos sociais e culturais trazer mais-valias ao design e, ao mesmo tempo, serem benéficos para as pessoas e para a sociedade?
Se falamos de um objecto como o Andaluz, inspirado na questão de como o design liga culturas, esses aspectos culturais promovem a consciencialização sobre os aspectos multiculturais incorporados na própria cultura. E quando percebes que a cultura em que cresceste e que te parece bastante homogénea e natural é afinal composta de elementos de culturas muito diferentes, entendes que o multiculturalismo social é um facto já existente na tua própria cultura. Na minha opinião, uma noção mais ampla dos diferentes elementos incorporados na própria cultura pode desencadear a consciencialização em pessoas com diferentes origens culturais e sociais que vivem nessa cultura. E isso é algo de que precisamos desesperadamente, porque todos temos que viver numa cultura que una pessoas diferentes. Nesse sentido, o Andaluz pode ser entendido como uma declaração cultural.
Como vê o multiculturalismo como um todo?
Isso é realmente difícil de dizer porque uma vez que se entende que a sua própria cultura já é multicultural, é difícil não abraçar o multiculturalismo. Mas é claro que existem grandes problemas de integração entre pessoas e julgo que temos que nos manter abertos no sentido de acolher pessoas de diferentes origens, convivendo juntas… mas os países ocidentais e, especialmente, os europeus, precisam definir os seus próprios valores e os objectivos sob os quais esse multiculturalismo possa funcionar para ambos os lados. Julgo que a Europa, que travou tantas guerras por territórios com diferentes culturas, reúne um grande conhecimento, pelo menos tácito, de como essa abordagem multicultural é próspera. Para mim, isso é um trunfo europeu único mas que não pode ser enfatizado em demasia.

Que diferenças e paralelos consegue identificar na abordagem de design de um produto e de um projecto de design de interiores?
A principal diferença para mim é o carácter estático e dinâmico de ambos os designs: enquanto o interior está situado numa arquitectura muito específica para utilizadores – na sua maioria conhecidos – o design de um produto tenta antecipar todos os tipos de cenários em que é usado, bem como utilizadores em potencial, que podem ser muito diferentes em termos de origens culturais, sociais e económicas. Assim, enquanto projectos de interiores, por exemplo, nos sectores residenciais, de hospitalidade e de escritórios – onde meus projectos se situam – lido com pessoas individuais, ou seja, os clientes que possuem o espaço onde desejam morar, as pessoas que administram um hotel e conhecem exactamente os seus hóspedes ou até mesmo os funcionários de uma empresa que integro no processo de design do seu novo espaço de trabalho. Portanto, o processo de design de interiores é muito mais pessoal e impulsionado por interacções humanas enquanto que o processo de design de produto começa para mim apenas quando não encontro um produto adequado para uma situação interna específica. Mas depois disso, cabe mais a mim e à minha equipa desenvolver o produto, embora integremos os utilizadores em potencial e as suas necessidades. É outra interacção menos pessoal. Nesse sentido, o design de um produto pode ser mais desafiante porque é uma decisão do cliente e do designer, e somente após o lançamento se percebe como as pessoas interagem com o objecto… de muitas maneiras que nunca previmos no seu processo.
Quais são os desafios que o design enfrenta actualmente, tanto do ponto de vista profissional como de responsabilidade social?
Embora existam fortes necessidades económicas para as empresas criarem algo novo num período de tempo mais curto, o ciclo de vida do produto fica mais curto por um lado e, por outro lado, sabemos que um ciclo de vida mais longo e até mesmo produtos projectados para a economia circular são mais importantes para não destruir os próprios recursos que precisamos para nossa vida no planeta. Assim, embora apenas diferenças incrementais de produtos possam garantir o factor de novidade, os grandes desafios desaparecem de vista, como projectar interiores que incorporem elementos naturais vivos, como plantas, vegetais etc., de uma forma que possa ser mantida por pessoas, cada vez mais distantes de processos naturais, como o conhecimento simples de cuidar de plantas. À medida que o reino urbano se torna cada vez maior, há uma forte necessidade do bem-estar das pessoas se ligarem de novo aos elementos e processos naturais por meio do design.

Como podem os designers estimular uma maior afeição aos produtos ou aos espaços?
Eu gosto de trazer afeição aos espaços com uma mistura bem seleccionada de cores, superfícies e materiais específicos, que não só atendam aos aspectos funcionais mas também sirvam como pano de fundo para memórias, associações e inspirações. O que desejo alcançar é que as pessoas possam descobrir novas perspectivas subtis e momentos de inspiração, num espaço interior, ao longo do tempo. Objectos de diferentes estilos e épocas trazem camadas de memórias e experiências para um espaço e interagem entre si. A coreografia da luz é muito importante para mim, porque a luz natural muda de beleza ao longo das estações e do dia… a cor de uma parede numa manhã de inverno, que se revela em tons terrosos e quentes subtis pode mudar com a luz intensa de uma manhã de verão, e essas mudanças podem trazer uma grande afeição por todo o espaço.
O que é bom design?
Um design que responde a questões contemporâneas. Mas definir quais são essas questões não é uma tarefa exclusivamente do design mas sim um discurso cultural, económico e social muito mais amplo, do qual participamos, ouvimos e fazemos propostas tangíveis e intelectuais. Um bom design de interiores inspira as pessoas por meio do design de todas as camadas do espaço, desde as superfícies até as interacções e emoções. Ele alcança todos os sentidos, desencadeia associações e molda memórias.
Mais informação em www.bandyopadhyay.de
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