A escola da cor
Luísa Martinez é co-fundadora da Escola da Cor, espaço recentemente inaugurado em Lisboa e que vem preencher uma lacuna que existe em Portugal de um espaço onde a aprendizagem sobre o tema esteja centrada numa só entidade. São aos milhões as cores que conseguimos percepcionar e elas, para além da sua natural vivacidade, possuem características que podem contribuir para melhorias de bem-estar ou de produtividade. Numa entrevista em que salienta a importância do conhecimento da cor mas também a missão social do projecto.

Entrevista por Tiago Krusse
Fotografias e imagens são uma cortesia da Escola da Cor

Luísa Martinez e Sílvia Louro Santos, fundadoras da Escola da Cor. Fotografia de Sara Cardoso Silva.

O que define a Escola da Cor e quais são as suas estratégias e objectivos?

A Escola da Cor define-se através de um conceito de inclusividade, onde a aprendizagem coexiste com a partilha, a cultura, a arte e o impacto social. Disponibilizamos formação especializada na área da cor, em áreas como a arquitectura, o design, o marketing e a investigação, mas também dinamizamos a comunidade local. Desenvolvemos oficinas de expressão plástica para todas as idades, dinamizamos conversas abertas de acesso gratuito (ex., cultura, arte, saúde) e promovemos a divulgação cultural através de venda de livros temáticos sobre cor, exposições de arte temporárias ou lançamentos de livros. Também fazemos questão de estabelecer um contacto próximo com os nossos clientes particulares e corporativos, quando realizamos projectos de interiores e decoração. Podem ser focados na inclusão de cor num ambiente mais cinzento ou triste, ou apenas com o objectivo de optimizar o espaço e torná-lo mais agradável. Gostaríamos de impactar a comunidade através dos nossos serviços e valores, indo da formação à venda de pão artesanal. Acreditamos que a comunidade de bairro, e a sociedade em geral, precisam de fortalecer as suas relações. Ao promovermos o encontro entre diferentes faixas etárias, estamos a dizer que é importante olhar pelo outro, independentemente da sua idade ou estatuto social..

Quem são as sócias e porque é que se lançam numa realização destas?

Conhecemo-nos em 2023, quando presidi a direção da Associação Portuguesa da Cor (APCor). Através das redes sociais fiquei a conhecer a Sissi -Sílvia Louro Santos-, e sensibilizou-me a forma como falava sobre cor, e o seu sentido estético apurado. Um mês depois de a conhecer pessoalmente, estava a convidá-la para integrar a direção da APCor. Enquanto trabalhámos juntas, nessa altura, senti uma grande empatia. Temos pontos de vista comuns e trabalhamos bem em equipa. Percebi que era a pessoa certa para desafiar a concretizar um sonho de há alguns anos: criar uma escola da cor. A vida precisa de mais cor, e ambas sentimos que podemos contribuir para esta missão universal.

Onde é que se situa a vossa sede e que investimentos foram feitos para a sua concretização?

A Escola da Cor está localizada nos Olivais Sul, em Lisboa, muito perto da Quinta Pedagógica dos Olivais. É uma loja de rua, num bairro maioritariamente residencial, onde existiu um talho durante 55 anos. Em 2024 o talho fechou e, por um conjunto de circunstâncias que se reuniram, decidimos que era o espaço ideal para dar corpo ao nosso projecto. As obras de remodelação tiveram início em Fevereiro de 2025, e inaugurámos o espaço no dia 18 de Junho. 

A Escola da Cor reformou o espaço de um antigo talho, nos Olivais Sul, em Lisboa.

Quando é que a escola começou a ganhar forma?

A ideia de criar uma Escola da Cor já fazia parte dos meus pensamentos desde, talvez, 2014 ou 2015. Nessa altura estava a iniciar o doutoramento em gestão, em que estudei a influência da cor em ambiente organizacional e de marketing. Desde 2022 esta ideia foi ficando cada vez mais desenvolvida. As pessoas certas foram aparecendo, de uma forma natural, e sabia que seria um projecto para desenvolver em equipa e não individualmente. Quando a Sissi aceitou o meu desafio, em Novembro de 2024, rapidamente começámos a delinear um plano para que fosse possível dar vida a este sonho.

Neste período inicial de actividade, como é que delinearam as acções de formação?

Numa primeira fase, ainda antes da inauguração do espaço físico, fomos lançando algumas formações online. Claro que enfrentámos dificuldades. Com um conceito novo não é fácil angariar clientes de forma rápida -ainda é comum entrarem pessoas no nosso espaço e perguntarem o que fazemos, apesar de todas as atividades estarem expostas na montra de rua-. Começámos a reduzir a oferta formativa online e decidimos apostar mais no formato presencial, para o momento em que as obras estivessem finalizadas e pudéssemos assim usufruir do espaço físico. Neste momento estamos também a definir pacotes de actividades para empresas, pois pensamos que no meio corporativo pode ser muito útil disseminar conhecimento sobre cor, ou promover a exploração da cor numa vertente mais plástica e até de autoconhecimento.

Por que razões faz sentido apostar no ensino da cor?

Temos constatado que existem os eternos apaixonados pelo tema da cor, mas também aqueles que são surpreendidos pelo poder que a cor evoca, e que se tornam curiosos. O facto de não existir, em Portugal, um local onde a aprendizagem sobre cor esteja concentrada numa só entidade, fez-nos avançar com este projecto. Queremos ser uma referência nacional para os estudiosos e curiosos da cor. Estamos a começar devagar, como nos é possível, e temos consciência de que será um processo lento. Mas acreditamos que esta missão vai tornar a vida de muitas pessoas mais leve e feliz. Não se trata apenas de ensinar sobre cor, trata-se também de envolver a comunidade, promovendo encontros culturais, educativos ou apenas sociais. Diz-se que cor é vida. Se contribuirmos para promover o encontro entre pessoas e reduzir o afastamento social, já estaremos a fazer grande parte da nossa missão.

Têm em mente um perfil de estudante ou de parcerias?

Os estudantes estão incluídos no nosso público-alvo. Acreditamos que uma geração mais jovem pode ter muito interesse em cor, mesmo em áreas não muito difundidas. Recordo-me do color grading que já suscitou o interesse de alguns jovens. Temos consciência que, em termos financeiros, pode ser um desafio ter despesas com os estudos e adicionar encargos com formação. Por este motivo, temos vários programas formativos que incluem descontos especiais para estudantes que podem ir até aos 40%. As parcerias são também um dos pontos-chave do nosso conceito. Acreditamos que o trabalho em rede é mais produtivo, para além de promover laços interpessoais. Temos em mente que as parcerias podem surgir, quer de forma planeada e estratégica, mas também de forma espontânea. Estamos receptivas a grandes e pequenas empresas. A dimensão não é o mais importante, na nossa perspectiva, mas sim a vontade de trabalhar com profissionalismo e honestidade, para o bem-comum.

Luísa Martinez e Sílvia Louro Santos. Fotografia de Sara Cardoso Silva.

A cor na arquitectura e no design é muito raramente tema de debate, com a excepção de alguma aberração ou impacto positivo. O uso da cor é uma questão meramente de gosto ou de tendência?

A cor na arquitectura e no design pode não ser tema de debate usual nem ocupar, de facto muito espaço mediático. Mas a verdade é que cada vez mais se estuda a aplicação da cor, em contexto de comportamento de consumidor, por exemplo, ou influenciando o bem-estar em contexto de espaços de saúde. A selecção de uma ou várias cores para um espaço faz-se, normalmente, sem recurso a uma fundamentação teórica consciente. O processo passa muito pela análise das preferências do cliente, objectivo do projeto, e mensagem a transmitir. As condições físicas do espaço (tipo de luz, layout, materiais) são, obviamente, variáveis a ter em conta quando se projecta com cor (tudo tem cor, afinal!). Cores mais fortes trazem mais desafios. Um branco ou um cinzento claro facilmente se conjugam com outros elementos decorativos, mas posso dizer que a selecção de cores mais vibrantes, mais saturadas, ou mesmo tonalidades claras mas que não sejam neutras, não são muito habituais para a maioria dos profissionais e dos clientes. Ainda há muito medo de arriscar em usar cores que não sejam as chamadas «neutras», em casa e no trabalho. Temos tido clientes que nos dizem que gostavam muito de arriscar mas «falta coragem». Para além do gosto individual ou das tendências do ano, a cor produz, de facto, um efeito perceptivo que transforma o estado emocional e até fisiológico de quem habita os espaços.

As lacunas do ensino da cor no ensino superior deve-se a que conjunto de causas?

Não sei bem explicar os motivos pelos quais não temos mais unidades curriculares sobre cor no ensino superior. Sendo matéria transversal a tantas áreas do conhecimento, também fico surpreendida ao constatar que se fala muito pouco sobre cor, mesmo em formações superiores na área do design, arquitetura, ou marketing. Uma participante de um dos nossos workshops dizia que na sua formação em design de interiores tinha uma unidade curricular supostamente sobre cor, mas que «falou-se de tudo menos de cor». Não sei se esta lacuna estará relacionada com a falta de profissionais que se dedicam ao estudo e aplicação da cor, em Portugal, ou se é uma área que não é sexy. Há cerca de dois anos cheguei a propor um programa para formação de executivos na área da cor aplicada ao marketing, e o departamento comercial da instituição de ensino superior em causa não validou o programa por se tratar de um tema que no momento não era hot topic.

A cor no espaço criado que nos circunda produz reacções opostas de intensidade muito semelhante. Existe um caderno de princípios para o uso da cor consoante as distintas criações do Homem no campo da arquitectura e do design?

Pelo que conheço, não existe um manual ou caderno de princípios para o uso da cor que se possa dizer genérico. É mais comum existirem manuais de aplicação da cor associados a marcas e entidades corporativas. Essa aplicação pode ser extensiva à identidade visual, de comunicação da marca, e também ao uso da cor nos ambientes corporativos (i.e., espaço físico). Em ambiente urbano também é usual existirem regras quanto à aplicação da cor nas fachadas dos edifícios, embora por vezes essas directrizes não sejam muito claras.

Quantas cores conseguem os humanos distinguir?

O ser humano consegue distinguir até 10 milhões de cores, aproximadamente. Mais recentemente, descobriu-se que há algumas mulheres que podem conseguir ver mais cores devido a uma característica fisiológica. Para estas mulheres, os cones (células fotorrecetoras que fazem parte do olho e que permitem distinguir as cores) podem ser de quatro tipos, em vez dos habituais três. Esta alteração (tetracromatismo) faz com que a sua capacidade para visualizar cores esteja amplamente aumentada.

Quais os efeitos que a cor pode produzir na sensação de bem-estar e na produtividade?

A cor pode induzir uma sensação de bem-estar, de facto. Apesar da experiência sensorial ser em parte subjectiva, pois é individual, é possível generalizar alguns efeitos provocados pela cor. Algumas das variáveis mais estudadas incluem o batimento cardíaco (indicador de stress), a resposta galvânica da pele (avalia o estado emocional), a pressão sanguínea, e mesmo a percepção de bem-estar autorreportada. As experiências do Dr. Schauss ficaram conhecidas, nos anos 70, ao testar centenas de tonalidades de rosa, dando origem ao conhecido Baker Miller Pink. O estudo concluiu que esta tonalidade específica de rosa reduz a agressividade e o batimento cardíaco num curto período de tempo. Relativamente à produtividade, há estudos que concluem que o branco aplicado a salas de trabalho pode gerar mais erros nas tarefas e reduzir a produtividade (Kwallek et al., 2007). O vermelho pode aumentar a atenção ao detalhe, mas se usado em excesso pode causar fadiga (Kwallek et al., 2005; Kwallek et al., 2007). O amarelo pode aumentar a sensação de energia e foco nas tarefas (Putra et al., 2023). Claro que estas conclusões são redutoras e são apresentadas com limitações. Normalmente são testadas tonalidades específicas de cores e fica muito por explorar. Sabemos que há várias tonalidades de amarelo e vermelho, ou mesmo de branco. Ainda assim, é um ponto de partida válido para prosseguir com a investigação na área e consolidar o que já se concluiu. Apesar de vários estudos indicarem que a estratégica selecção de cores pode melhorar a eficiência operacional e o estado emocional, este conhecimento ainda não existe em grande parte das organizações.

Kwallek, N., Soon, K., Woodson, H., & Alexander, J. L. (2005). Effect of color schemes and environmental sensitivity on job satisfaction and perceived performance. Perceptual and motor skills, 101(2), 473-486.

Kwallek, N., Soon, K., & Lewis, C. M. (2007). Work week productivity, visual complexity, and individual environmental sensitivity in three offices of different color interiors. Color Research & Application, 32(2), 130-143.

Putra, B. I., Cholifah, C., & Affandi, G. R. (2023). Impact of Workplace Environment Color on Worker Performance: Insights from a Cracker Factory. Academia Open, 8(1), 10-21070.A boa arquitetura é a que faz sentido para quem a vive, para quem a constrói e para o lugar onde existe. Não é sobre forma ou estilo, mas sobre verdade e presença.

Há metodologias que possam medir os efeitos do uso da cor?

Sim, através do método científico é possível medir a influência da cor em diversos contextos. Podem ser usados métodos de análise biométrica (ex., batimento cardíaco, resposta galvânica da pele, pressão sanguínea, expressão facial, eye tracking), estudos de observação comportamental (ex., postura, movimento, sinais de fadiga ou distração), testes de desempenho (ex., tempo de execução de tarefas e contagem de erros), questionários com aplicação de escalas psicométricas autorreportadas, ou entrevistas e focus group.

O que é um bom uso da cor?

O bom uso da cor é sempre subjectivo. A combinação cromática ideal para uma sala de estar provavelmente vai diferir mesmo entre pessoas do mesmo agregado familiar, pois as preferências individuais não podem ser esquecidas. Ainda assim, arrisco dizer que um bom uso da cor é aquele que tem em conta quatro parâmetros: i) as preferências de quem habita aquele espaço; ii) respeita a função a que se destina o ambiente; iii) as cores selecionadas adequam-se à luz natural e artificial que existem no espaço; iv) gera bem-estar em vez de desconforto. E se a paleta cromática não faz parte das tendências do ano? Na minha perspectiva, esse não será, de todo, um problema. O bem-estar que se cria deve sempre prevalecer.

Escola da Cor – https://www.escoladacor.pt