De que revolução falamos

A Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura -, em Matosinhos, no Grande Porto, em Portugal, tem patente até dia 7 de de Setembro de 2025 a exposição O que faz falta. 50 anos de arquitectura portuguesa em democracia, com a curadoria a cabo de Jorge Figueira e Ana Neiva. Um olhar e uma reflexão sobre a qualidade e a expressividade da arquitectura edificada, com um propósito público, em Portugal, entre o 25 de Abril de 1974 e o presente. O título da exposição faz homenagem a José Afonso, o autor que nunca foi de ninguém e cuja intervenção política ainda hoje merece o nosso respeito pela sua verticalidade e carácter, o arquitecto de músicas.

Texto: Tiago Krusse
Fotografias: Cortesia de Ivo Tavares Studio/Casa da Arquitectura

Fotografia de Ivo Tavares.

Com curadoria dos arquitectos Jorge Figueira e Ana Neiva, a exposição intitulada O que faz falta. 50 anos de arquitectura portuguesa em democracia procura, nas palavras dos seus curadores, deixar uma visão cujos “projectos seleccionados reflectem os modos como a arquitectura concretizou programas públicos vários, considerando a diversidade geográfica do país, continental e insular, e a contribuição de arquitectas e arquitectos de diferentes backgrounds e gerações.”

Fotografia de Ivo Tavares.

A exposição vai ao acervo da Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, em Matosinhos, edificada e habitada em 2007 com a missão de cuidar da História da arquitectura e de dinamizar todo um conjunto de actividades a ela ligada – pensamento, reflexão, debate, trabalho e abertura ao público – retirando da sua intitulada colecção 50 anos de Arquitectura Contemporânea Portuguesa uma selecção de projectos diversos de obras de cariz público, de acções de pensar e de edificar distintas. São 700 metros quadrados de área de exposição nos quais Jorge Figueira e Ana Neiva estabeleceram cinco visões de extensões temporais distintas: Revolution (74-83), Europa (84-93), Fin-de-siècle (94-03), Troika (04-13) e Wi-fi (14-23).

Fotografia de Ivo Tavares.

No primeiro dos cinco módulos propostos é-nos sugerido um olhar para o período revolucionário até ele chegar a uma certa estabilização política, desde os governos provisórios à ascensão de Cavaco Silva, em que se dá “o aparecimento de novos programas públicos e a definição de direitos fundamentais”. No segundo, o marcante é a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, por Mário Soares enquanto chefe de governo, e em que o estado português começa a beneficiar de ajudas económicas, do grupo europeu então constituído por 10 países e ao qual Espanha e Portugal se juntaram aumentando-o para 12, e como período de tempo que produziu notórias transformações no território mas também abriu portas a uma nova visibilidade da arquitectura portuguesa no estrangeiro.
Em Fin-de-siècle, cuja expressão de origem francesa foi utilizada a vários níveis desde o século XIX até à década de 90, recuperada para vários propósitos, o uso do termo, pelos curadores, terá o objectivo de sinalizar o final do século XX e as dificuldades económicas que já se adivinhavam. Perceber um País já sobre grande inquietação política no novo século XXI, perspectivando-se mais uma crise económica do estado e que teve como consequência mais uma intervenção financeira e política estrangeira, a terceira desde a implementação do regime democrático. Um triunvirato, de má memória, constituído pelo obscuro Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, que nos forçou a novo e penoso resgate financeiro.

Fotografia de Ivo Tavares.

A tecnologia de rede sem fios, a assobiada palavra anglo-saxónica wi-fi, talvez possa ser uma analogia ao excesso de tecnologia e a pouca rede em que os arquitectos e gabinetes de arquitectura em Portugal se depararam, com um ciclo menos bom para trabalhar e viver do trabalho no nosso país? A era da cultura digital trouxe como todas as revoluções mudanças significativas nos hábitos e nos comportamentos, diria que nos tornarmos mais omnipotentes na comunicação mas menos próximos uns dos outros. Aderimos sem medirmos as consequências e fomos ultrapassados e maniatados. As crianças de olhos afundados nos ecrãs de telemóveis, os jantares familiares bulhentos com toques de mensagens a todas as horas e as noites mal dormidas, pois que a tecnologia de comunicação trouxe consigo efeitos também na saúde e no distúrbio do sono. O período a que se reporta este módulo wi-fi, é outra vez um período de crise na Economia mundial, pois a Economia deixou de se centrar no seu agente principal – o Homem-, como assim foi com a Arquitectura em Portugal. Os políticos a meterem-se em assuntos de ordens profissionais e a colocarem em causa o espírito das disciplinas e o reconhecimento dos seus profissionais. Percebeu-se isso de forma mais clamorosa com os médicos, em tempo de pandemia pouco foram ouvidos ou deram as suas opiniões mas os “cientistas”, de pouco método científico, lá contribuíram para alimentar o desnorte controlado das massas. A desinformação tomou conta dos espaços, e os putativos messias, apareceram em diversos campos para os quais apenas vieram acirrar os ânimos e encher as trincheiras dos urros sociais diversos. E a crianças sem traquejo e tarimba de vida foi-lhes dado palco para “meteram” os adultos na ordem. Pois o Mundo é das crianças, como se percebe em várias regiões do globo!
E é sempre o Homem o vírus mais mortal que o planeta alberga, porque as alterações no clima, o lucro pelo lucro, as pessoas transformadas em números, os plutocratas e o seu novo messias da humanidade, sob a forma de uma “inteligência” artificial, são reflexos de um espírito de época decadente a rumar para o grande dilúvio, para a extinção. Na Arquitectura e aos estudantes de arquitectura os políticos disseram-lhes que só se safavam emigrando enquanto o país recebe gente cujas qualificações jamais se poderão comparar aos numerus clausus que as universidades portuguesas exigem aos nossos estudantes. Nem a Língua Portuguesa escapou a um direito a um aborto ortográfico, quando ela é uma das arquitecturas mais belas da escrita e da fala. A decadência do ensino, do ambiente escolar e as universidades que se tornaram máquinas de fazer dinheiro e menos espaço para a pedagogia e para o didáctico. Os patos bravos a tomarem conta de todos os negócios nesta área. As academias repletas de pedantes e de gente insuflada que pouco ou nada faz senão cortejar as cortes. Uma dormência colossal sem grandes inquietações e apenas preocupada em garantir o assegurado salário ao fim do mês. Os mais “fortes”, vivendo da fama adquirida e do provincianismo politico, lá se vão safando. Os que cá ficaram a fazerem-se à vida como podem, procurando abertas. Os poucos que tiveram possibilidades para ir para fora, preservando a sua esperança de poder fazer e disso viver com dignidade.
Ainda assim os arquitectos não se podem queixar muito pois mais rapidamente sabemos o nome de um famoso arquitecto português enquanto muitos engenheiros nacionais, de trabalho reconhecido, passam despercebidos na espuma dos dias. O grande público é rápido a reconhecer Álvaro Siza Vieira ou Eduardo Souto de Moura, que sobressaem, mas nomear engenheiros que estão na base da sua obra serão poucos os que conseguirão. Fica aqui um deles, António Segadães Tavares.
Para concluir, citando o homenageado desta exposição, o arquitecto musical José Afonso, “eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada…” . Pergunto: o que tem José Afonso a ver com a Arquitectura? E o que dizer do General Ramalho Eanes em relação ao 25 de Novembro? Tanto Zeca e Eanes nada têm a ver com Arquitectura.
Um conjunto de expectativas que nos fazem apetecer rumar a Matosinhos e perceber que casa fizemos ao longo destes anos de Democracia, que com 50 anos já se pode considerar um sistema minimamente adulto. Sem ter de olhar para trás como a origem de todos os males e de responsabilizar o regime salazarista por um 25 de Abril estéril, em muitas matérias, como a História o comprova.

Do comunicado de imprensa da Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura

“Composta por maquetes, desenhos originais e fotografias, a mostra vai dialogar com os diferentes contextos socioculturais convocando referências da literatura, do cinema e do documentário e prestando tributo a um conjunto de personalidades fora da arquitetura que são figuras incontornáveis da história e sociedade portuguesas.
Com inauguração agendada para 26 de outubro de 2024 na Casa da Arquitectura, esta exposição será acompanhada por um programa paralelo que tem a curadoria dos arquitetos Nuno Sampaio e Jorge Figueira. A mostra vai ficar patente até 7 de setembro 2025.

A exposição “O que faz falta. 50 anos de arquitetura portuguesa em democracia” tem o Alto Patrocínio do Presidente da República, o apoio do Ministério da Cultura e integra o Programa Oficial das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.”