Rodrigo Costa
Entrevista a Rodrigo Costa, designer gráfico, artista plástico e, sobretudo, um Filósofo. Alguém cujo pensamento estruturado muito admiro e que entre as ideias e o trabalho não há, na maioria dos casos, lugar para a banalidade. É, para mim, um dos artistas plásticos portugueses, vivos, de grande reputação. Como tantos e bons autodidatas, nacionais ou estrangeiros, menosprezado nos seus tempos pelas putativas elites, pela ignorância e a idiossincrática parolice das sociedades. Fica aqui uma das muitas conversas, tu cá, tu lá, com alguém de elevadíssimo estatuto, o seu.
Entrevista por Tiago Krusse
Fotografias: Cortesia de Rodrigo Costa, fotógrafo Hugo Almeida
O que mais marca o teu percurso de vida?
O percurso de vida é composto de ajustamentos e reajustamentos, por não sabermos, não termos consciência -logo no início- do que nos empurra para o que queremos ser e para o que gostamos de fazer. Desconhecemos a origem e o objectivo das vontades… Com o tempo, as experiências e as aferições, reconhece-se a predisposição que nos sugere o encontro do corpo e da mente, de que resulta o preenchimento afectivo –a base do equilíbrio.
Sendo seres destinados à actividade, o trabalho tem sido, no meu caso, o campo da realização afectiva; o espaço onde me procuro e me revejo -nos momentos em que me encontro, porque nem todas as horas são horas boas …
Hoje, como se tivesse nascido com antecipada consciência, posso afirmar que, por rectas e curvas, procurei, sempre, a realização afectiva, por ser o que me permite olhar e dar relativa importância a tudo o resto … Sobretudo, o que escapa ao meu domínio; o que não depende do meu pensamento e da minha atitude.
Quem é Rodrigo Costa?
Não sei se, por muito que vivesse, poderia vir a definir-me com exactidão. Tenho algumas ideias sobre o que me pareço. Se disser que sou único, não minto. Porque, no fundo, somos, todos, criaturas únicas, originais, embora suportados por traves-mestras comuns… Há, porém, algumas características que sobressaem, tais como a paixão por aquilo que quero fazer; bem como o desejo de perfeição… Sabendo que a perfeição tem várias roupas.
Ser autodidata é uma vantagem ou desvantagem?
A única desvantagem prende-se com o facto de não vermos valorizados os projectos, as ideias, e o trabalho desenvolvido, porque o País continua palácio de iliteracia; com os lugares de influência e de decisão ocupados, em regra, por gente incapaz de análises limpas, descomprometidas, na medida em que, para se fazer análises sérias, é necessário ter-se conhecimento e experiência. Por conseguinte, são muitos os obstáculos estúpidos, que, no entanto, não obstam à enorme vantagem do conhecimento e da experiência adquiridos na escavação por-conta-própria –poupando-nos, inclusive, quando oradores, ao recurso do número infindável de citações que inundam os discursos de significativo número de académicos…
Onde começaste a dar aso à criatividade e quais as bases que te permitem ter um trabalho tão abrangente?
Primeiro, não é possível pensar-se em criatividade, enquanto não houver memória.
Reconheço, é claro, a existência de pessoas com a intuição que ajuda na apreensão precoce; gente cuja memória, pela capacidade de observação, é apetrechada mais cedo -memória sem a qual a inteligência, como refiro, não tem como actuar. Isto porque a criatividade não é mais nem menos do que o estímulo da inteligência suportado pela memória. Não encontro outra definição, já que, várias vezes, tenho, por analogia, referido o Alzheimer como borracha que, apagando a memória, provoca o desaparecimento da inteligência que exista.
De qualquer modo, nunca me preocupei com ser criativo. A preocupação tem sido a de me manter, o mais possível, fiel à ideia de expressar o que sinto e o que entendo, procurando o conhecimento que me permita a capacidade de expressão digna. Mantendo esta postura. A criatividade aparece, porque há, sempre, a necessidade de criar condições para que as ideias sejam transformadas em corpos físicos.
A minha acção assenta na fórmula que descobri, através da experiência, no trabalho: ÉTICA, ESTÉTICA e FUNCIONALIDADE -que obriga ao uso de criatividade para conciliação, coerente, dos três factores que a compõem.
Quanto à abrangência, não a procurei. Limito-me a responder aos apetites –procurando preparar-me para respostas que façam sentido; respostas aceitáveis.
Mencionas, por diversas vezes, que é preciso ter um pensamento estruturado. Com isso, o que exige para ti e na aferição que fazes do Mundo?
Sendo indesmentível que existimos num Universo regido pela causalidade, ficamos a saber que, por cada causa, há, no mínimo, uma consequência ou efeito. E, vivendo num mundo que se pretende organizado -tenho as minhas dúvidas-, é natural o reconhecimento de ser melhor termos ideias com princípio, meio e fim; sermos capazes de nos explicarmos a razão das nossas próprias vontades, porque é por falta de pensamento estruturado que o País está como está, e, no mundo da Cultura e da Arte, a incontinência tem passado por criatividade.
Sobre o Mundo, ele é, apenas, o lugar onde vivemos. É o que é. Não tenho razão de queixa. Já do mundo -da Humanidade, entenda-se-, as coisas estão muito confusas, porque deixou de haver a preocupação de pensar; a negligência espreguiça-se no caos; e a liberdade é sequestrada pela libertinagem… Não se consegue ver quem nem como possa pôr ordem nisto…
No fundo, reflexos da Escola que não funciona –basta olharmos para os que dizem que a escola é para ensinar; a educação é em casa, para se perceber que quem ensina, ou muitos dos que ensinam, estão longe da consciência de que, quando se ensina, está-se a educar, porque o modo como se ensina, para além de influenciar o nível de absorção, influencia comportamentos, não deixando de fazer parte do processo educativo -professor que não é pedagogo não é professor, porque ensinar não é servir, aos alunos, refeições frias, sem o calor da Vida, e sem a noção de que viver em sociedade implica a responsabilidade nos comportamentos…
Não se trata de isentar os pais. Trata-se de complementar a acção dos pais, e/ou, mesmo, suprir as lacunas, até, de pais que demoraram na Escola; e que, da Escola, colheram, apenas, as tais refeições frias, acabando pais, na prática, de filhos, educacionalmente, órfãos.
Em 2017 foste autor da tela “O Leão Que Ri”, numa sátira à mais alta figura do estado. O que o levou a compôr esse quadro?
O actual Presidente da República sempre me pareceu pessoa desequilibrada.
Olhando-se as expressões do rosto e a expressão corporal, os sinais não são animadores… Não sei se a vida dele se resume a euforias; se não haverá, nos momentos de retiro, de isolamento, quaisquer quedas depressivas –associo-o à figura do D. Camilo, o papel daquele padre tonto, desempenhando, no filme, pelo Fernandel.
As bobagens não trariam mal ao Mundo. Penso, até, que faria sucesso, no âmbito da stand up comedy. O problema é terem-no feito Primeira Figura da Nação, com responsabilidades que deveriam ser inacessíveis a alguém cuja postura não anda longe da de inimputabilidade…
Por qual motivo ele passou despercebido da opinião pública, dos órgãos de comunicação social?
A pintura esteve exposta, duas ou três vezes, no seio de exposições que realizei. Houve, de facto, alguém, ligado a um jornal de referência, que, visitando a exposição, por sinal, em Lisboa, me disse que gostaria de utilizar a imagem para notícia –soube, depois, que encontrou oposição à ideia, porque administradores, amigos do Prof. Marcelo, se opuseram ao tratamento. Acabou por sair, sim, pequeníssima imagem, com nota de rodapé.
O que foi para ti ter visto editada, em vida, a primeira monografia dedicada ao seu trabalho, enquanto artista plástico?
Penso ser humano e legítimo que os autores anseiem ver o seu trabalho registado em documentos que serão lembrança da sua passagem pela Vida. É extremamente gratificante, reconfortante e estimulante alguém pensar valer a pena o registo do que fazemos; daquilo a que, com profunda ligação afectiva, nos dedicamos… É a marca, ou uma das marcas, da minha passagem por aqui… E, claro!, há que ficarmos gratos, quando alguém nos reconhece, no reconhecimento do nosso trabalho.
Quando é que decidiste dedicar-te, em exclusivo, à Pintura?
Quando percebi que a evolução, em termos de pintura, neste caso, depende do tempo de pensar, mais do que do tempo de fazer. E, para se pensar, é necessário pôr de lado muito do que, sendo útil -necessário, inclusive-, ocupa o pensamento. Por conseguinte, em 1990, deixei, como assalariado, o design gráfico, e passei para o salto em queda-livre, porque não acredito ser possível ir a fundo, quando se procura conciliar profissão e paixão –se a vida é para ser vivida, há que assumir os riscos. No entanto, a epopeia tem sido possível devido ao apoio de amigos indefectíveis.
Como olhas para o panorama da Arte, em todo o Mundo?
A Humanidade atravessa período de grandes perturbações. E seria impossível que a Arte, como expressão de seres humanos, ficasse imune à degradação de tudo o que é humano…
Devido às dinâmicas impostas às sociedades, a preocupação deixou de ser com a expressão do que se sente; mas, antes, com a expressão do que interessa -tendo em conta o que se pensa ser o alimento das plateias, das audiências. Se juntarmos, ao erro filosófico, a impreparação técnica, temos, naturalmente, um caldo de ossos, porque, de carne, nem vê-la!…
Acresce que, quando se diz que ao público é dado o que pede e pode receber, reformulo a asserção, e digo que o público recebe o que lhe pode ser dado, já que, quando nos expressamos, o público não ordena; aguarda –podendo e devendo ter juízo crítico. O que acontece é haver quem se agarre às supostas característica do público, como subterfúgio para a sua própria incapacidade, dado que o problema não está na altura a que ficam as uvas; mas, na pouca amplitude do salto das raposas…
O ensino das belas artes faz sentido? Há espaço na escola para a pedagogia e o didáctico?
Todo o ensino faz sentido, se houver pedagogia –que é, em si mesma, didáctica.
Agora, nenhuma escola poderá fazer de alguém o que esse alguém, na essência, não é –é de grande ingenuidade semear-se uma coisa e esperar-se a germinação de outra. Não existe; é impraticável.
O que a escola de belas-artes pode fazer é burilar e ajudar a elevar o nível de desempenho dos que têm a centelha, e despertar os que a têm adormecida… Há professores para isso; com capacidade para isso?… Estou convencido de que há. Só não sei se os dedos de uma mão não são mais do que os necessários para os contar, porque a Escola, na generalidade, está transformada em centro-de-emprego, para quem pensa que ensina; e centro-de-dia, para quem pensa que aprende...
Como olhas para o design português? Vês, no design gráfico, no qual já trabalhaste, designers e criativos portugueses com trabalho consistente?
Sobre o design português, não posso pronunciar-me com grande assertividade, porque deixei de acompanhar, tanto como acompanhei, o que é feito, em termos de design –quando trabalho um ou outro documento, faço-o para consumo próprio ou, graciosamente, para um ou outro amigo. Mas, tudo gira em torno do equilíbrio da composição e da ligação entre a forma e a mensagem a transmitir. No fundo -relembrando a fórmula a que aludi, atrás-, a análise continua a ser feita, tendo em conta a ÉTICA, a ESTÉTICA e a FUNCIONALIDADE.
De que forma avalias, por exemplo, o trabalho do estúdio Eduardo Aires, nomeadamente a polémica em torno dos símbolos nacionais?
Não deixou de ser uma proposta. Para mim, vazia.
Mas, seguramente, quem procurou o Designer não o procurou pelos seus méritos –sem que eu diga que não os tem, porque não o conheço, nem lhe conheço o trabalho. A questão é que ninguém chega a trabalhar para um governo, seja ele qual for, sem haver critérios que ultrapassem a necessária capacidade para responder ao que é pedido… A coisa anda, sempre, à volta da amizade, da cumplicidade e do negócio.
Depois, teríamos que perguntar quem é que, no departamento governativo –em princípio, o da Cultura— estaria em condições de ajuizar, com princípio, meio e fim, o que foi apresentado como proposta… O próprio Ministro apareceria ao lado da autora de um amontoado de tijolos -performance do tipo designado como instalação.
Para ti o que significa bom design?
Havendo o estilo do designer, há, no meu entendimento, os princípios básicos –que atendem ao tipo de produto em tratamento, porque há casos em que os floreados têm mais espaço; e casos em que o peso institucional exige contenção. Há casos em que o decor assume a relevância; e casos em que a mensagem pede menos efeitos, menos fogo de artifício.
Com o aparecimento da informática e dos programas que permitem tudo ou quase tudo, nota-se que muitos dos designers se perdem nos efeitos, tecendo linguagem que pouco ou nada diz de esclarecedor, na medida em que a ESTÉTICA tem que FUNCIONAR, de acordo com a mensagem a transmitir
Pessoalmente, sempre fui, graficamente falando, afeiçoado à limpeza. O design japonês é grande referência… Ao nível do packaging –da embalagem–, então, são a simplicidade da elegância na mensagem… De qualquer modo, cada caso é um caso; e cada um deverá, como caso, ser analisado –já agora, o domínio da Língua é de suprema importância, porque os juízos são feitos com palavras; e é de palavras que vive o pensamento que substancia as abordagens…